Parece que assinei um contrato de boca, daqueles que antigamente ninguém ousava alterar. Não eram precisas assinaturas nem testemunhas porque a palavra valia mais do que um rio Sado carregado de ouro.
A minha vida profissional levou-me para Lisboa, mas desde logo decidi que no final de cada dia ia sempre voltar ao meu lugar. Ao colo da minha mãe, ao abraço do meu pai e à sopa quente da minha avó, que ainda hoje tão bem sabe depois de uma hora de viagem.
Trabalhar na outra margem e voltar para cá não é fácil. Mas mudar-me para Lisboa seria muito pior.
O que seria de mim sem o cheiro da fruta do Mercado do Livramento aos sábados de manhã? E as minhas voltas de domingo à Serra da Arrábida, com a brisa fresca a entrar-me no corpo?
O que seria de mim se abrisse a janela e em vez de tranquilidade visse um corrupio de gente a toda à hora, a fazer o mesmo que eu faço aos dias de semana para não chegar tarde ao trabalho?
De vez em quando ainda há quem ouse perguntar-me porque é que não faço as malas e mudo-me para Lisboa. Mal sabem eles que seriam muito mais felizes se fizessem todos os dias o mesmo que eu.
Viver na região de Setúbal é como estar no meio de uma fonte de chocolate. Podes ser o mais guloso de todos que vais ter sempre cacau para provar.
Um dia, quando fui trabalhar para Lisboa, assinei um contrato de boca, daqueles que antigamente ninguém ousava alterar. E não, eu nunca hei-de sair deste lugar.