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Opinião: Setúbal, o nosso paraíso escondido

Leia a crónica exclusiva do músico Pedro Nobre para a New in Setúbal.
Praia de Galapinhos.

Dizem que só damos valor ao que temos assim que o perdemos. Ora pois bem, eu vivi isso na pele quando em 2018, após 20 anos a residir em Setúbal, decidi ir estudar para a Holanda. Uma brilhante ideia na opinião daquele “mais-jovem-eu” todo lançado a seguir o seu sonho, independentemente de tudo o resto.

Qual foi o meu espanto quando, durante os meses que iam passando naquela terra de bicicletas, o sol não aparecia tão abundantemente e sem pedir autorização como em terras lusas, não havia uma constante serra que pintava o pano de fundo em todas as minhas ações diurnas de cidadão-estudante.

O meu organismo não se deliciava com o peixe e toda a gastronomia sadina e camoniana quando bem desejava e as praias paradisíacas já ali ao lado para recarregar forças eram inexistentes. Enfim, todas estas coisas outrora comuns ganhavam uma nova dimensão, e teimavam em não sair do meu imaginário.

“Como conseguiu sobreviver?” — imagino que pergunte o preocupado leitor. É fácil, arranjei as mais variadas desculpas, em forma de concertos musicais, que me permitissem ausentar dos meus deveres de estudante e voltar por inúmeras vezes a este postal de férias ideais, que era agora Setúbal para mim. As breves viagens funcionavam como uma espécie de botija de oxigénio que levava comigo para ser mais fácil continuar.

Após a conclusão do meu primeiro ano letivo e o dia 21 de junho de 2019 ter marcado não só o início do verão como o meu regresso — desta vez por muito mais do que uns meros dias — a esta “nova” Setúbal, o que então se seguiu foi uma combinação perfeita de descalabro económico local, isto é, para a minha carteira juntamente com o maior aproveitamento da cidade a todos os níveis que resultou num dos mais belos verões experienciado pelo que vos escreve.

Esta altura de concretização e felicidade, de notar que tinha acabado o primeiro ano de curso, ponto número um, sem chumbar a uma quantidade muito significativa de cadeiras, ponto número dois (razões estas mais que suficientes para sentir as duas emoções antes referidas) despertou em mim uma vertente até então desconhecida: a de guia turístico e dos mais babosos e chatos.

A todos os meus colegas e amigos que vinham de outras não tão maravilhosas terras, fazia-os acordar a horas a que músicos não costumam acordar para levá-los à praia de Galapinhos. Fazia questão de escolher o caminho mais longo pelo ponto mais alto da serra da Arrábida para provocar neles ainda mais inveja oriunda daquelas paisagens deslumbrantes.

Ao almoço à beira-sado enchia-os de choco frito previamente acompanhado por um queijinho de Azeitão e finalizado com um copinho de moscatel. À tarde, caso não houvesse sound-check e concerto nesse dia, voltávamos a Galapinhos — porque duas vezes não são demais — até haver sol a brilhar na serra. Só então seguíamos viagem usando os restantes trocos nas noites quentes da Taifa. O orgulho na minha terra era visível a olho nu como nunca antes foi.

Sei que o meu papel de guia turístico foi bem cumprido quando ainda hoje relembro com esses amigos estes momentos com uma profunda sensação de alegria e nostalgia. Peço que a boa gente de Amesterdão não me interprete mal, bem sei das qualidades inegáveis da cidade, tiro bem partido delas com muito entusiasmo, a questão é que tive o azar ou a benção de crescer num paraíso escondido, até para mim.

Pedro Nobre é baterista na banda Loosense. Foto: David Vistas.

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