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Opinião: É neste porto seguro que sou feliz

Leia a crónica exclusiva da arquiteta de interiores Inês Cesteiro para a New in Setúbal.
Frente ribeirinha.

Sadino que se preze di-lo alto e com orgulho. Esteja onde estiver, viva na cidade ou no mais improvável canto do planeta, quem é de Setúbal não perde uma oportunidade para o dizer com uma vaidade quase infantil. É assim que eu sou. É como se o Sado nos corresse nas veias. Todos sabemos os versos da canção do Xico da Cana: “Onde é que existe um rio azul igual ao meu” e cantamo-la aos nossos filhos, para que não se perca nas futuras gerações.

Gostamos do cheiro do choco frito que inunda as ruas dos restaurantes e dos grelhadores de peixe a cada esquina. E quando nos dizem “És da terra do choco frrrito, do carrrapau e da sarrrdinha” concordamos com regozijo, mesmo que praticamente já só a geração dos nossos avós carregue nos ‘érres’. E ainda respondemos a quem julga que nos provoca ou menoriza: “E sou do Vitórria. Não é grande, é ENORRME”.

Foi esta cidade que fez de mim o ser livre, genuíno, que vive intensamente a vida. Das minhas memórias de infância e adolescência guardo a sensação de liberdade, da menina maria-rapaz que corria atrás dos três primos mais velhos, com quem fui criada.

Era na rua que brincávamos, porque a rua sempre foi um lugar seguro, mesmo nos bairros mais estigmatizados por uma imprensa que, durante muitos anos, só se lembrou de Setúbal pelos piores motivos. Ainda hoje é assim. Foi no bairro da Camarinha e Tetra, que fiz amigos para a vida. Éramos cúmplices nas brincadeiras e disparates. Sim, porque a liberdade também nos dava para fazer muitas partidas próprias das crianças.

Nunca ambicionei viver fora de Setúbal. Mesmo quando estudei em Lisboa, preferia sempre regressar ao meu porto seguro, à minha cidade, aos meus amigos, aos meus locais de lazer e convívio adolescente. Que saudades tenho do Baco, do Bombar e do ADN. Sem dúvida lugares de encontro, de partilhas, de copos. E neste tempo de pandemia, em que tudo isto deixou de ser possível, ainda mais valor damos a estas memórias

Foi esta experiência de liberdade com responsabilidade, que Setúbal me proporcionou e continua a proporcionar, que fizeram de mim a adulta que sou hoje: uma criativa que cria memórias com amor.

É esta cidade que me dá a inspiração diária. O nosso rio azul, a nossa serra da Arrábida, o maravilhoso pôr-do-sol na nossa baía, as nossas praias, são fontes inesgotáveis de inspiração.

Quando decidi abrir as portas do atelier “Às Duas por Três, Arq. De Interiores e Decoração”, muitas vezes me perguntaram porque não o fazia em Lisboa. Em Setúbal, diziam, seria muito difícil ter trabalho. Mas a verdade é que nunca me passaria pela cabeça ter o meu espaço longe da minha cidade e, com a mesma resiliência do primeiro minuto. Hoje, cá estamos, 12 anos volvidos.

Começámos num espaço com poucos metros quadrados, cedidos pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional num pavilhão “ninho de empresas” que foi, de facto, o ‘nosso ninho’. Crescemos e hoje temos o atelier no sítio do nosso sonho: numa encosta, com uma vista única sobre a nossa serra e o rio.

E é por isso que, sempre que sou consultada para executar um projeto em Setúbal, fico particularmente feliz. É o meu contributo para a dinamização da cidade, porque aqui sinto as raízes, a história e a identidade, que permitem uma ligação única ao cliente. É neste porto seguro que sou feliz. Que sou eu. Serei sempre uma alma sadina.

Inês Cesteiro é fundadora do atelier “Às Duas por Três, Arq. De Interiores e Decoração”.

 

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