O 11 de março de 2020 foi um dia marcante na minha vida — e eu estava longe de o saber. Foi a última vez que beijei a pele enrugada e carregada de histórias da minha avó, aceitei um café pago pelo meu avô e abracei pela última vez a minha mãe, enquanto lhe dizia ao ouvido que ia superar a maldita doença.
O 11 de março de 2020 tinha tudo para ser uma dia de folga normal, em que aproveitara para ir visitar os meus, mas passou a ser o dia da despedida. A partir daí, fiquei isolada em casa com o meu marido e filha e contam-se as vezes que tirei o pijama — sempre para ir ao supermercado, farmácia ou apenas apanhar um pouco de ar.
Sei que no meio desta pandemia horrorosa que mudou a vida a milhões de pessoas em todo o mundo sou uma sortuda. Afinal, tenho cumprido todas as regras e evitado, assim, a contaminação. Mas entre estas quatro paredes que já me parecem demasiado pequenas para o mundo que me apetece descobrir, penso várias vezes que há muitos mais sortudos que eu: aqueles que nada fazem para combater esta valente epidemia.
Como é possível ainda existir quem se ache imortal e ande por aí a manter a sua vida normal? Como posso eu, na chamada diária, prometer à minha avó que tudo isto vai passar rápido, que o meu avô vai poder voltar à esplanada do café para ler o jornal? Que ela, no alto dos seus quase 80 anos, ainda conseguirá fazer as suas compras sozinha?
Sabem, tenho saudades da minha família. Dos almoços de domingo, dos encontros no café da Barreira para tomar o pequeno-almoço e de dizer ao meu padrasto para ele ir à lota comprar pelins para fazer com arroz de tomate.
Quero voltar a ligar à minha mãe para lhe contar dos salmonetes que comprei na praça e para lhe dizer que marquei almoço para a uma nas enguias do Faralhão. Quero ver a minha filha a correr na areia em frente ao Rockalot ou a chamar pelos golfinhos em pleno Cais da Gávea.
Quero voltar a tocar. Ai, como é bom a sensação do toque ou o cheiro a café bem quente na esplanada do jardim. Como me arrepia pensar na gargalhada da minha avó ou no telemóvel do meu padrasto, enquanto toca o hino do Vitória.
Por enquanto, vou continuar a cumprir a minha missão diária de prometer à minha família de que vai ficar tudo bem. Mesmo sabendo que não depende apenas de mim, mas de todos. E mesmo que esse “ficar tudo bem” nunca mais volte a ser 100 por cento real, que seja o suficiente para conseguir partilhar a mesa com os meus. E vocês com os vossos.