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Superlinox: “Há três anos, comecei a plantar o meu jardim”

A NiS falou com o "Banksy setubalense" para perceber como tem sido o seu percurso desde que apareceram as primeiras obras, em 2021.
O Joel.

Não sabemos a sua identidade, mas é facilmente reconhecido pelo seu trabalho e o objetivo é mesmo esse. Passaram cerca de três anos desde que foi instalada a máquina de lavar cor-de-rosa no telhado de um prédio abandonado, na autoestrada da A2. A curiosidade foi instantânea. “O que é aquilo?”, “O que significa?”, e, claro, “Quem é que a colocou lá?”, foram, certamente, as perguntas feitas na altura e que continuam sem uma resposta concreta até hoje.

Superlinox deixa a obra falar por si e não aparece ao acaso. Esta personagem resultou da acumulação de vários anos de experiências, com o propósito de representar temas pertinentes e uma obra de arte. O artista mistério é setubalense e cresceu no universo do graffiti e da arte urbana. Depois de acabar o curso de Artes na Escola Secundária Dom Manuel Martins, em Setúbal, entrou na licenciatura em Belas Artes, na vertente de Escultura, na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. Nos últimos três anos, tem deixado esculturas em várias cidades como uma chaleira num viaduto em Lisboa, uma torradeira no topo do Fórum Municipal Luísa Todi, uma cama no cento da Praça de Bocage e estátuas de homens à escala real.

Dos trabalhos mais recentes, destaca-se “Joana”, uma estudante da Nova SBE. “A cor é a mesma do Salvador, um homem de negócios, que esteve algum tempo plantado junto à rotunda do Marquês de Pombal — e foi sequestrado alguns meses depois sem deixar rasto. Ninguém sabe dele. Tal como o Salvador, a Joana também é uma mulher de negócios, mas muito mais especial: não está só focada nos negócios, mas também em divertir-se e desfrutar dos prazeres da vida. Carrega a sua prancha de surf debaixo do braço, com os seus Ray-Ban na cara, vestida de fato e gravata, descalça e com areia nos pés”, revela o artista à NiS. 

E acrescenta: “Interessa-me muito a desconstrução. Creio que é isso que os artistas fazem: as suas aventuras passam por desconstruir tudo — o que vêem fora e o que vêem dentro. Com a Joana, interessou-me desconstruir a imagem típica do homem de negócios, neste caso, a mulher. O lado empreendedor não tem necessariamente de abafar a vertente sensível ou emocional, nem abafar a responsabilidade individual de estarmos em harmonia com o Mundo. A Joana tem perfeita consciência da importância da sustentabilidade, não tivesse ela fortes vínculos à Natureza. Espero que isso passe visualmente, afinal, além de dançar com o mar, a Joana está descalça e com os pés cobertos de areia da praia. Ao contrário do Salvador, que era um puro capitalista, a Joana importa-se com o Mundo e com a Natureza; e sabe que pode ser uma mulher de negócios sem perder de vista o que realmente importa; sem se desligar da Vida, da Natureza e do Mundo — e ainda lutar por isso”. Recorde o artigo sobre “Alice”, a obra que está também em Carcavelos.

A New in Setúbal falou com o artista para perceber como tem sido esta aventura.

Passaram, sensivelmente, três anos desde que começou a espalhar as obras pela cidade. O que é que mudou e o que continua igual?
Há três anos, comecei a plantar o meu jardim bastante íntimo e privado. Entretanto, as plantas cresceram e aquelas que dão flor, começaram a florir. Como o jardim foi ganhando espaço, algumas dessas plantas tornaram-se árvores. Em três anos, essas árvores já deram frutos, várias vezes. É incrível. Vou continuar a insistir que o meu trabalho não se trata de enviar mensagens: não sinto, de todo, que esteja a enviar SMS’s para a sociedade. O meu trabalho envolve cuidar do meu jardim e disponibilizar as suas flores e frutos. Quem quiser, que os colha.

Não parece que coloque nada ao acaso. Existe um trabalho minucioso de estudo dos locais onde são colocadas as obras?
O processo inicia-se através da minha relação direta com o espaço ou com o objeto. A partir daí começa uma aventura conceptual e tudo se mistura: objeto, espaço, vontade, intenção e necessidade. Antes da concretização de cada escultura, existe muito pensamento por detrás.

Considera que, ao longo do tempo, as pessoas começaram a ter maior aceitação dos seus trabalhos e a compreender as razões?
Acho que existem pessoas que consideram o meu trabalho apenas colorido e divertido. E está tudo certo. Talvez seja a história do iceberg: há quem viva uma vida inteira na superfície e lhe veja só a ponta. Nem toda a gente alinha em mergulhos.

Porque é que os coloca?
Porque preciso. É a minha convicção. É a minha forma de existir e de me cumprir. É a minha forma de questionar o mundo e de me questionar a mim mesmo.

Porquê esta forma de expressão? O que o leva a apresentar uma escultura, com objetos usados no dia a dia e não outro género de arte?
Suponho que este não seja o “lugar” para se aprofundar potenciais definições de Arte e de Obra de Arte. Seja como for, a minha forma de expressão resulta. Não é isso que importa?

Setúbal é a sua casa e foi aqui que tudo começou. No entanto, sentiu necessidade de levar as obras a outros locais?
O conceito de Casa é muito bonito, mas também complexo. Sim, tudo começou em Setúbal, mas será que Setúbal é a minha casa? Sempre ouvi dizer que Setúbal é uma terrível mãe, mas uma ótima madrasta. O que é que isto quer realmente dizer? Talvez seja um grande cliché: mas acredito verdadeiramente que “a nossa casa é onde está o nosso coração”.

Alguma vez foi apanhado a colocar uma escultura?
Não.

As pessoas pedem para dizer quem é ou a beleza está no mistério?
Quero acreditar que a beleza está naquilo que a minha escultura provoca dentro das pessoas, para o bem ou para o mal.

Porque não revela a sua identidade? Pretende fazê-lo?
Sobretudo porque gosto demasiado da minha privacidade. Revelar a minha identidade não faz parte dos meus planos. A minha identidade é a minha obra.

Pretende que as pessoas leiam a mensagem das suas obras ou que levem as próprias a questionarem-se?
Tenho dito: as minhas esculturas são poemas. Não deveríamos evitar pedir ao poeta que explique os seus poemas?

Se pudesse destacar um trabalho, dos tantos que fez, qual seria?
Destaco o “Joel”, de 2021. O “Joel” apareceu em cima do ‘T’ de Setúbal, na rotunda dos golfinhos, no dia em que Portugal celebra a Liberdade. Quatro dias depois desapareceu, sem deixar qualquer rastro. Apesar de já não estar lá, o “Joel” continua a fazer-me questionar sobre o que é realmente a Liberdade e a ambição de lutarmos por ter o nosso lugar no mundo. Entretanto, através de informação privilegiada, sei que o “Joel” tem estado fechado dentro de um armazém, em Poçoilos, deitado em cima de sacos de cimento da Secil. Não é curioso? O braço já não está erguido, mas o seu punho continua cerrado.

Quais são os projetos futuros que possa revelar?
2024 trará, certamente, novas aventuras.

De seguida carregue na galeria para recordar algumas das obras mais famosas de Superlinox.

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