Nasceu no passado dia 17 de julho, domingo, no número 3A da Praceta Amadeu Sousa Cardoso, junto ao Parque de Vanicelos, o Atelier da Cidade, um espaço dedicado aos miúdos, que aposta numa abordagem diferente de aprendizagem relativamente a muitos outros, como creches ou ATL. As responsáveis pelo projeto são Marta Rodrigues e Lara Custódio, ambas com 38 anos e naturais de Setúbal.
Marta Rodrigues é animadora sociocultural e durante a pandemia foi-se especializando em algumas formações e conhecendo várias pedagogias, como a Pikler ou Montessori, mas acabou por se identificar mais com a Reggio Emilia, a abordagem seguida pelo Atelier da Cidade. Cruzou-se com o projeto Kalambaka, o impulsionador de práticas pedagógicas inspiradas na Reggio Emilia, enquanto frequentou as respetivas formações.
Numa delas conheceu Lara Custódio, educadora de infância que conta com um mestrado em Psicologia Educacional e outro em Educação de Infância. “Quando comecei o meu percurso em Psicologia percebi que o que mais me fascinava era a parte pedagógica, nomeadamente como as crianças aprendem e perceber que, ao mudarmos pequenos detalhes na maneira como aprendiam determinado assunto, havia um salto educacional gigante”, conta à New in Setúbal.
Depois de a dupla se ter conhecido e aprendido mais sobre a abordagem Reggio Emilia, apercebeu-se que podia, de facto, fazer a diferença. “Sentimos uma grande necessidade de trazer este espaço aos miúdos da cidade com o objetivo de dar outras perspetivas e dinâmicas e complementar aquilo que não é dado nas escolas”, refere Marta Rodrigues.
Primeiro idealizaram abrir uma escola, mas do ponto de vista financeiro era um projeto ambicioso. Então perceberam que havia outros caminhos que poderiam seguir. “Este espaço não é uma escola, mas complementa-a e poderá ser um aliado”, indicam. A abordagem aplicada no novo espaço nasceu em Reggio Emilia, no norte da Itália, após a Segunda Guerra Mundial, quando um grupo de mães se uniu para reconstruir as escolas destruídas pela guerra.
Perante o rasto de destruição e a escassez de recursos sentida nessa altura, as mães começaram a usar materiais naturais para ensinar os filhos, nomeadamente através de restos de tecidos, botões, madeiras, entre outros. Esta abordagem surge da vontade das famílias de construir um mundo melhor através da educação. “Aqui o foco é proporcionar ferramentas para a criança aprender e não apenas entretê-la”, explica Lara Custódio.
O Atelier da Cidade
“Este é um espaço de pensamento, de fazer perguntas, de pesquisar, de desenvolver ideias e de materializar os pensamentos das crianças”, revelam as responsáveis. Atualmente, as escolas não têm a possibilidade de apostar neste tipo de abordagem, uma vez que não existem grandes recursos e os grupos de miúdos são muito maiores. Então, num espaço como o Atelier da Cidade, já é possível oferecer um tipo de aprendizagem diferente, pois o número é mais reduzido.
As atividades desenvolvidas no espaço passam por fazer tintas naturais através de vegetais e pigmentos da terra, massas coloridas, plasticina e, algo muito importante, iniciativas na natureza. O jardim de Vanicelos, que se encontra junto ao atelier, é o local onde os miúdos podem estar em contacto com a natureza e aprender mais sobre ela. Um dos objetivos do projeto é aliar a tecnologia à natureza, nomeadamente utilizar a fotografia, microscópios digitais e projetores para ampliar a cor e forma e, assim, despertar os sentidos dos mais novos.
“Os miúdos já têm tanto conhecimento científico dentro deles que não são necessárias explicações, mas uma orientação para ajudá-los a ampliar e conectar ideias e o adulto pode ajudá-los a explorar dessa forma”, explicam. O início de qualquer aprendizagem começa na curiosidade, algo intrínseco nos miúdos. “Quando temos curiosidade vamos aprender sobre determinado assunto. Se mantivermos sempre a curiosidade de uma criança no auge, irá aprender”, indicam.
Segundo Marta e Lara, já existe muita procura por este tipo de abordagem. Os alunos ficam dentro de uma sala de aula muito tempo, onde apenas há uma professora para mais de 20 miúdos e a verdade é que, cada vez mais, há crianças com necessidades diferentes. “Há miúdos com défice de atenção ou autismo, por exemplo, e com aquilo que oferecemos conseguimos ajudar tanto as crianças como os pais que já estão desesperados à procura de um espaço que as entenda e aceite”, explicam. Desta forma, um dos objetivos do atelier é “captar essa forma diferente de linguagem, perceber como se expressam e adaptar as atividades a cada criança”, revelam.
Além dos serviços com os miúdos, uma das iniciativas que as responsáveis querem implementar são workshops entre pais e filhos e bebés, para fortalecer a relação entre eles. “Muitas famílias estão em burnout, muito fruto da pandemia. Hoje em dia marcamos um encontro com o marido ou com a esposa ou com os amigos, mas não marcamos com os filhos”, afirmam. Assim, querem dar a possibilidade aos miúdos e aos pais de fazerem algo que não fariam em casa.
“A questão de trabalharmos de uma forma muito aberta, em sincronia com as famílias, que são vistas como um aliado, torna a tarefa mais honesta. Quando um dia não corre bem não há qualquer problema em dizer que não correu bem. Analisamos o que falhou, o que podemos melhorar”, explicam Marta e Lara. Outra das iniciativas que querem implementar é levar esta abordagem às escolas e proporcionar descobertas onde se pode aliar a natureza e tecnologia.
“Hoje em dia não existe um acesso às tecnologias para investigar, é mais num sentido lúdico. E nós queremos mostrar o outro lado da tecnologia, despertar a curiosidade das crianças”, indicam. Além disso pretendem ainda dar formação a profissionais da área da educação e fazer grupos de partilha sobre esta filosofia.
O nome Atelier da Cidade surgiu porque as responsáveis sentiam que havia uma necessidade deste tipo de espaço na cidade e assim ficou. O logotipo foi pensado consoante as características de Setúbal. “As letras formam um peixe, sendo esta uma cidade piscatória, e o rabo do peixe são as folhas da natureza, simbolizam a nossa Serra. As letras são um pouco rudimentares para apelar à infância e o pincel simboliza a parte artística”, revelam.
Marta e Lara pretendem que os grupos não excedam os 15 miúdos e há a possibilidade de poderem vir algumas vezes por semana ou até uma só vez para uma experiência diferente. Durante o verão, o espaço funciona das 8 às 18 horas e, por enquanto, as vagas estão quase todas completas, mas pode inscrever os miúdos para setembro, no início do ano letivo.