Chama-se Maria Emília, mas é conhecida por Milu. E é esse tratamento carinhoso que dá nome ao abrigo em Setúbal onde há muitos anos acolhe centenas de animais.
Quem está, de alguma forma, ligado à causa animal sabe de imediato de quem se fala quando se ouve o nome Milu. O seu trabalho é reconhecido por todos e o espaço onde — com a ajuda de dedicados voluntários — cuida dos seus animais é tido como um exemplo, um modelo a seguir. É mais uma história de vida inspiradora que a NiS lhe dá a conhecer.
Milu, com 64 anos, nasceu e foi criada em Angola, onde viveu até 1975 — ano em que veio para Portugal, onde tem feito a sua vida. “Trabalhei muitos anos na hotelaria em Lisboa”, conta.
Em 1993, tinha Milu 36 anos, uma cadelinha veio mudar a sua vida. “Quis o destino que eu passasse pelo Marquês de Pombal, em Lisboa, e encontrasse uma cadelinha, com pouco mais de dois meses, em péssimo estado. A Twice, assim chamei à pequena sobrevivente, foi a minha primeira cadela em Portugal e acabou por me marcar profundamente, tendo sido talvez a grande responsável pelo rumo que a minha vida tomou”.
“Ao longo dos anos, cruzei-me com muitos animais abandonados, doentes, maltratados e acidentados. Não sendo capaz de ficar indiferente, fui prestando assistência e aumentando o número de cães recolhidos, até que em fevereiro de 2007 adquiri um terreno para os acolher a todos, realizando um sonho que começara a tomar forma quando a minha vida se cruzou com a da Twice”, diz Milu.
Foi assim que nasceu o Cantinho da Milu, que em abril de 2011 se constituiu oficialmente como Associação Protetora de Animais sem fins lucrativos.
Neste albergue de 25.000 metros quadrados vivem atualmente cerca de 700 cães, “a maior parte dos quais totalmente a cargo do Cantinho”, a que a cuidadora dedica todo o seu tempo, “numa luta constante para que possam todos viver com o máximo bem-estar possível, recebendo os cuidados de que necessitam”, sublinha.
Um regaço com milhares de histórias
Qualquer animal lover pode dizer que todos eles são especiais, mas há alguns que, por alguma razão, acabam por nos marcar mais. E, no caso da Milu, foi Twice — a pequenta cadelita que se tornou o símbolo da sua luta.
“Já passaram pela minha vida cerca de 8.500 animais. As histórias são muitas. A que mais me marcou foi obviamente a Twice, que deu origem ao logótipo da associação. Tinha dois narizes. Era uma cadela muito especial”, salienta a responsável pelo Cantinho da Milu.
Milu participou em centenas de resgates. Atualmente, são tantos os afazeres no abrigo que é aí que concentra todo o seu tempo. “Hoje em dia, quase não saio do abrigo, pois são muitos animais a meu cargo. Todos os dias chegam dezenas de pedidos de ajuda, sendo impossível chegar a toda a gente, com muita pena minha”.
E também no capítulo dos resgates há muitas histórias para contar. “Houve vários resgates que me marcaram muito pelo número elevado de animais recebidos de uma só vez, mas sobretudo pelas condições de extrema negligência nas quais chegaram”, diz, dando como exemplos os resgates de Pedrógão Grande, ou o dos Galgos do toureiro João Moura, entre muitos outros.
As situações tristes não se ficam por aí. “O meu dia a dia é feito de abandonos cruéis: cães acidentados/mutilados largados ao portão do abrigo em atroz sofrimento, cães atirados para dentro do abrigo e atacados pelos cães residentes, cães enfiados em jaulas onde nem se conseguem mexer e largados ao portão sob altas temperaturas, ninhadas de gatos e cães deixadas ao portão em caixas de cartão, alguns já mortos… chantagens emocionais se não ficar com os animais”, exemplifica.
E como é que o Cantinho da Milu vai sobrevivendo? “Sobrevive da ajuda de padrinhos, mecenas, sócios, voluntários e amigos dos animais em geral. Algumas câmaras municipais dão uma ajuda mensal para apoiar nas despesas dos animais que transferem dos canis municipais para o Cantinho da Milu”, explica.
Com tantos animais a cargo, porém, as necessidades do abrigo são sempre muitas: “desde alimentação, medicação, cuidados veterinários, obras de manutenção no abrigo, etc…”. Por isso, se puder ajudar, contacte a associação ou veja nos seus apelos a melhor forma de apoiar. Tudo é bem vindo – e mais voluntários também, pois há muitos animais para cuidar.
Coração partido quando chega o adeus sem direito a um lar
Sobre os conselhos que daria às pessoas em geral, relativamente à forma como devem olhar e tratar um animal, Milu não hesita: “Os animais sofrem, sentem dor! Não podem ser tratados como meros objetos, serem adotados para oferecer às crianças aborrecidas em casa e abandonados quando crescem ou fazem asneiras”.
“Os cachorros são crianças. Não se abandona um filho, não se deveria abandonar um animal que depositou em nós todo o seu amor e confiança. Se não tem condições para adotar, não o faça por impulso. A adoção dum animal é um compromisso sério, que irá envolver todos os membros da família pelo menos nos próximos 15 anos”, afirma.
Infelizmente, nem todos conseguem famílias e muitos partem sem terem chegado a ter um lar só deles. “Como é lidar com essa perda?”, perguntamos. “Corta-nos o coração quando um cão morre no abrigo, depois de ter vivido vários anos connosco e nunca termos conseguido um lar. Sentimos que falhamos”, diz Milu.
Ainda há, no entanto, muitos finais felizes. “Tentamos sempre divulgar os nossos seniores e apelar à compaixão das pessoas. Felizmente temos conseguido excelentes adoções para animais seniores ou residentes há muitos anos no Cantinho”, afirma, com um misto de alegria e carinho na voz.
E a esperança de mais futuros melhores está lá sempre. “Tenho fé que as mentalidades continuem a mudar e que as pessoas percebam de uma vez por todas a importância da esterilização e da adoção em vez da compra de animais”.
Questionada sobre onde se vê dentro de 10 anos, Milu não tem dúvidas. “Vejo-me fazer o mesmo que faço hoje: salvar animais e dar-lhes aquilo que os ex-donos não souberam dar – amor, respeito e compaixão”.
Percorra a galeria para ver isso mesmo. Os animais do Cantinho da Milu, tratados com o amor que todos merecem. E todos eles à espera de um lar especial.