Margarida Coelho sempre adorou viajar. No entanto, depois de acabar o curso de Línguas e Humanidades na Escola Secundária de Palmela, em vez de fazer um gap year, decidiu candidatar-se à licenciatura em marketing e publicidade no antigo Isla, em Lisboa.
No final do curso, entre 2009 e 2010, o País estava em plena crise económica e Margarida trabalhava numa loja de roupa em part-time para pagar as propinas. “Apesar de existirem várias saídas profissionais na área do marketing, nunca cheguei a exercer porque achei que não iria ser feliz nessa função. Em 2014, comecei a pesquisar sobre cruzeiros e guias de viagem”, começa por contar à New in Setúbal, Margarida Coelho, de 36 anos.
Para a jovem de Azeitão, a principal barreira da sua candidatura a guia de viagem era não ser fluente em inglês. “Como precisava de aprender o idioma, fui para Inglaterra nove meses fazer formação. Quando regressei a Portugal fui a uma entrevista para num navio de cruzeiro, em 2016, e fiquei”, explica.
Como já tinha experiência de atendimento ao público foi escolhida para trabalhar nas lojas do barco, as chamadas duty-free stores. “Foi uma experiência muito interessante que me permitiu conhecer uma série de países porque, sempre que as embarcações atracam, não podemos vender nos estabelecimentos e aproveitamos para passear”, revela.
Nessa altura, Margarida esteve em Miami e em todas as ilhas das Caraíbas. Depois de dois anos a trabalhar em cruzeiros com um contrato fixo, decidiu aventurar-se sozinha. A primeira grande viagem que fez foi de Helsínquia a Istambul — pelo caminho, visitou 12 países.
Levou 1000€ como budget e tinha um roteiro bem planeado. “Viajava muito de autocarro, estava dois a três dias em cada cidade e só voltava a Azeitão para trocar de mala. Nesta fase passei pelos países nórdicos, fui para o sudoeste asiático e China”.
Retiro de silêncio no sudoeste asiático
Em 2018, durante uma visita à Tailândia, Margarida fez um retiro de silêncio — durante 12 dias não falou com ninguém. Durante esse tempo, esteve no meio da selva entre turistas mochileiros como ela e igualmente silenciosos.
“Antes de iniciarmos o retiro somos submetidos a uma pequena entrevista para os monges perceberem o nosso propósito, no fundo, a razão pela qual estamos ali. Depois temos de entregar tudo: passaporte, telemóveis, relógios, livros para escrever ou ler e todas as distrações possíveis. Podemos ficar com a roupa, mas para tomar banho vamos com um pano enrolado ao corpo”, recorda.
A alvorada começava às quatro da manhã ao som de sinos. Depois, meditava oito horas por dia de acordo com as indicadas dadas pelo monge — todas em inglês. O pequeno-almoço e o almoço eram as únicas refeições do dia.
À noite, o grupo fazia meditação à volta de um lago iluminado apenas por umas pequenas lanternas e pela luz da lua. “Lembro-me de uma rapariga que ficava sempre sentada no mesmo lugar porque estava completamente apavorada com os bichos. Estávamos no meio da selva a conviver com cobras e escorpiões e muitas das pessoas desistem a meio. O mais desafiante para mim foi aguentar 12 dias sem falar mas, no final, a sensação de ter conseguido cumprir a missão foi bastante reconfortante”, afirma.
Da Tailândia seguiu para a Malásia (Kuala Lumpur) e depois Singapura, onde terminou a viagem pela Ásia. Como de costume, regressou a Azeitão para trocar de mala e, dois meses depois, partiu para Barcelona com o objetivo de fazer um curso de programação. Viveu lá cinco meses, até janeiro de 2019.
Quando a pandemia chegou à Europa, Margarida estava em Atenas. Voltou novamente a Azeitão e ali ficou, até maio de 2021. Nessa altura, decidiu trocar a programação por um curso de professora de inglês para dar aulas online.
Este verão esteve três meses numa ilha grega a trabalhar como recepcionista e a ensinar inglês através da internet. Dia 1 de setembro Margarida recomeçou a viajar — já conheceu 51 países, ainda que o objetivo seja chegar aos 196. Com o propósito de partilhar as suas experiências como nómada digital criou a conta de Instagram “Os 51 países” e um canal de YouTube.
“Quero mostrar, sobretudo às mulheres, que é possível viajar e trabalhar remotamente em segurança”, sublinha. Em algumas das viagens que fez, Margarida teve de passar por várias fronteiras à noite.
Nesses momentos reparou que muitos turistas eram discriminados pelo seu aspeto e outros pelo país de origem. Como nunca sentiu que fosse tratada de forma diferente, Margarida rapou o cabelo para perceber se haveria ou não uma mudança de tratamento nas fronteiras.
“Até agora não senti diferença, tirando o facto de terem alguma dificuldade em reconhecer que sou a mesma pessoa do passaporte”, brinca. Ideias para as próximas aventuras, não lhe faltam. Margarida quer atravessar o México, seguir em direção à América Latina e fazer Nova Iorque-Los Angeles de comboio.