“Reza a lenda que habita em águas açoreanas um primo afastado de Neptuno, Deus de todos os mares. Este Neptuno não tem o tamanho, nem os músculos do primo, talvez porque já não se alimente como antigamente”, é a introdução que o artista Superlinox, famoso pelas icónicas esculturas que idealiza e realiza, fez da mais recente obra de arte.
Depois de Orlando, a estátua com 1,92 metros, por 91 de largura e 61 de profundidade, correspondente à figura de um homem, pintada de amarelo, com sunga de banho e óculos de natação, além das longas barbas, é agora Neptuno que surge das profundezas do mar para observar a paisagem ao redor e não só — quando se trata do setubalense Superlinox, é sempre mais do que isso, com lugar para interpretação e reflexão.
“Não teremos sido sempre nós, enquanto Humanidade, a alimentar os deuses? Com o que é que temos alimentado os deuses do mar nas últimas décadas? O tesouro sobre o qual esta divindade pousa, não é bem um tesouro, pois não? Talvez devêssemos começar a contemplar a sua existência sem nunca duvidarmos dos seus poderes serão sempre oriundos de uma dimensão que nos ultrapassa”, é a mensagem deixada pelo artista.
O primo de Neptuno, localizado no Cais Comercial da Horta, na ilha do Faial, nos Açores, desde dia 24 de julho, tem 3,50 metros, por 81 de largura e 59 de profundidade. É, por isso, bem alto e imponente — não falássemos nós do rei dos mares, sem contar com o lixo que está nele e ao redor. É que a cor bronze sublinha o carácter de realeza, mas depois existe a coroa construída com escovas de dentes, a saia feita de garrafas de plástico.
O trono raso onde pousa está repleto de objetos que encontramos, certamente, no fundo do mar. Entre alicates, moedas, isqueiros, caricas, tampas, escovas de vassoura, discos, moedas, tubos e muita poluição, ainda sobra espaço para alterar comportamentos, inverter tendências, e, claro, mudar de atitude em relação ao meio que nos rodeia, tão rico, mas que está a ser destruído. Ambas as esculturas estão inseridas no âmbito do Festival Maravilha.
O fenómeno Superlinox
Tudo começou com a instalação de uma máquina de lavar roupa cor-de-rosa no telhado de um prédio abandonado perto da autoestrada, em Setúbal, no final de setembro de 2020. O aparecimento repentino do eletrodoméstico colorido despertou a curiosidade de muitos e começaram a ser partilhadas imagens e mensagens de espanto nas redes sociais. O mistério ficou (quase) resolvido quando o artista, Superlinox, criou a sua página no Instagram.
Revelado o nome artístico, todas as outras informações pessoais são mantidas em segredo. Até ao momento, sabemos que nasceu em Setúbal e cresceu no universo do graffiti e da arte urbana. Tirou o curso de Artes na Escola Secundária Dom Manuel Martins e continuou os estudos na licenciatura em Belas Artes, na vertente de Escultura, na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa.
Quando começou a pensar no projeto, soube desde o início que não poderia assinar as obras com o nome verdadeiro, mas sim com um pseudónimo que conseguisse expressar a sua identidade enquanto artista anónimo. “Costumava jogar consola online com um amigo e fazíamos imensas noitadas. A certa altura, não sei muito bem porquê, ele começou a chamar-me Linox. Achei que era demasiado abstrato e, por isso, juntei-lhe uma carga conceptual porque na verdade quero ser um super artista”, revela.
As primeiras obras foram instaladas na cidade onde nasceu, como a estátua do Joel nas letras junto à rotunda do Alegro Setúbal ou o Ricardo na Escola Secundária Dom Manuel Martins. Um estendal azul com roupa estendida, uma cama no meio da Praça do Bocage e uma menina cor-de-rosa em cima do canhão da Sétima Bataria do Outão foram outros dos objetos inusitados que não passaram despercebidos na cidade.
Recorde a entrevista que a NiS fez ao artista, numa retrospetiva dos últimos anos. Carregue na galeria para conhecer algumas das obras mais famosas do Superlinox.