É geral em quase todos os países: com a pandemia provocada pelo novo coronavírus, o uso de máscara passou a ser obrigatório em espaços públicos fechados com maior aglomeração de pessoas, como os supermercados ou os transportes. Alguns até implementaram a obrigatoriedade do uso deste equipamento de proteção na rua.
Contudo, o exercício físico continua a ser a exceção, sendo que cada um é livre de escolher se quer treinar com ou sem máscara. Recentemente, saíram aquelas que estão a ser chamadas como “as primeiras conclusões sólidas sobre praticar desporto com máscara”, avança o jornal espanhol “El País”, mas ainda é dúbio.
No início de junho, quando os ginásios, estúdios e health clubs começaram a reabrir um pouco por todo o mundo, incluindo Portugal, já saíam algumas opiniões sobre o assunto. Muitos referiram que poderia imitar o tão famoso treino hipóxico, usado por atletas para aumentar a capacidade pulmonar — normalmente com recurso a máscaras que regulam e diminuem o fluxo de ar.
De acordo com a “Runners World”, usar uma máscara para prevenir infeções por Covid-19 não é bem a mesma coisa. Desde logo, porque as máscaras cirúrgicas, N95 ou as mais simples, de tecido, não são desenhadas para o efeito proporcionado pelas máscaras que reduzem o fluxo de oxigénio.
“Ao usar uma máscara de tecido, um corredor não está a alterar a saturação de oxigénio do ar que respiram, mas simplesmente a respirar menos ar”, explicou na altura Timothy Lyman, personal trainer, citado pela revista norte-americana.
Acreditar que a restrição de ar provocado pelas máscaras pode ajudar a potenciar a capacidade pulmonar não faz sentido. “Não há qualquer racionalidade fisiológica nisso”, revelou William Sheel, investigador científico da Universidade da Columbia Britânica.
O que dizem estas primeiras conclusões?
Uma pesquisa realizada por Antonio Montoya-Vieco, médico em Atividade Física e Ciências do Desporto e técnico da Unidade de Saúde Desportiva do Hospital Vithas 9 de Octubre, em Valência, Espanha, fez testes em três grupos de corredores com diferentes níveis de aptidão. No entanto, usou uma máscara criada para a prática desportiva, o que pode condicionar os resultados.
“As conclusões apontam para que a experiência mude, mas pouco. “Em todas as variáveis analisadas, os valores foram levemente superiores”, disse, citado pelo “El País”. A frequência cardíaca aumentou entre três e nove por cento, e a diferença na saturação parcial de oxigénio entre zero e dois por cento — algo que o especialista não considera significativo. Os níveis de esforço também aumentaram entre 13 e 50 por cento.
“Quanto maior o valor numérico, é interpretado que o esforço realizado pelo atleta é maior. Como não se sente à vontade, a pessoa pode perceber que respira pior e afeta negativamente seu desempenho”, esclarece.
E continua: “Não considero que uma máscara desportiva — e muito menos a usada neste estudo, após conhecer os seus resultados — sirva para fortalecer o treino muscular inspiratório. Nesse caso, os atletas teriam começado a usá-la antes da Covid-19.”
Resumidamente, esta pesquisa diz que o uso de máscara não fortalece, nem aumenta muito o cansaço.
“Este estudo espanhol mostra que a utilização das máscaras testadas (são máscaras de uma marca que as produz especificamente para a prática desportiva) não prejudicam por si a performance desportiva – medida por diversas variáveis fisiológicas –, nem parecem aumentar a performance por condicionamento do aparelho respiratório (que se podia prever dado o aumento da resistência inspiratória que impõem)”, diz à NiT André Casado, especialista em Medicina Interna e Medicina Intensiva e autor do livro “Fake News na Medicina“.
“Apesar de tudo, aumentam a sensação de dispneia (falta de ar) e fadiga, o que pode prejudicar o desempenho atlético. Ou seja, as variáveis fisiológicas não se deterioram, mas a sensação de cansaço limita o esforço”, continua.
Após uma análise à literatura já existente sobre este tema, o médico explica à NiT que é claro que as máscaras cirúrgicas e as máscaras comunitárias (de pano) não alteram minimamente a oxigenação e a eliminação de dióxido de carbono. “Pessoalmente, uso máscara por períodos superiores a 24 horas, de forma quase contínua, e garanto que a minha função respiratória é normal.”
Quanto à perceção de fadiga, pode ser mais marcada, mas não afeta a performance física, como, aliás, esclarece um estudo publicado em março de 2018.
“Também convém distinguir máscaras cirúrgicas (as recomendadas para uso corrente) e as máscaras N95 FFP2, cuja norma implica maior poder de filtração e, significativamente, maior capacidade de filtragem bidireccional do que as primeiras. Como seria de esperar, fica claro que a sensação de desconforto, falta de ar e humidade é marcadamente superior com as FFP2”, diz à NiT André Casado.
As máscaras podem trazer benefícios na prática desportiva?
“As máscaras para simulação de treino em altitude, não sendo homologadas para proteção antimicrobiana, têm sido usadas por atletas para (alegadamente) simular treino em condições de altitude. Os estudos realizados com estas máscaras mostram, tal como este estudo em apreço, que não existe melhoria (nem deterioração) dos marcadores de oxigenação do sangue com treino ‘com’ versus ‘sem’ máscara”, explica o especialista.
E continua: “Existe, contudo, uma discreta melhoria na performance aeróbia com o tempo e com a máscara, mostrando algum efeito na melhoria da performance em exercício em aerobiose. Portanto, as máscaras ajudam no condicionamento respiratório. Estes dados estão, de certa forma, em contradição com o estudo apresentado na notícia do jornal espanhol.”
Alguma pesquisa mais recente mostra, ainda, alerta o autor do livro “Fake News na Medicina”, que as máscaras FFP2 podem mesmo ter benefícios marginais na performance respiratória — e maiores do que o previsto nos estudos acima e sem treino aeróbio intensivo (isto é, apenas com uso profissional).
“O estudo apresentado na notícia do ‘El País’ mostra que não há influência significativa do uso das máscaras testadas (só é válido para essas, naturalmente) num conjunto de variáveis fisiológicas relevantes para a atividade desportiva. A exceção é o incremento da perceção de fadiga que pode reduzir o desempenho desportivo.”