Rui Minderico nasceu em Lisboa mas veio logo para Setúbal quando era pequeno. Cresceu na zona do Bonfim e nos bairros do Montalvão e Amoreiras. A primeira memória que tem de fotografia é do seu avô paterno, que era setubalense, tal como a sua mãe. “Ele andava sempre com uma máquina fotográfica e os meus pais também tinham o hábito de tirar muitas fotografias em viagens de família”, conta à New in Setúbal, Rui Minderico, de 51 anos.
Rui estudou no Liceu Nacional de Setúbal, atual Escola Secundária de Bocage, e, quando chegou a altura de escolher a área no secundário, seguiu a opção de Artes e Design. Apesar de considerar que “não tinha um jeito natural para o desenho”, o fotojornalista confessa à NiS, que sempre gostou do mundo da arte e imagem.
A sua professora de História de Arte do secundário teve a ideia de montar uma câmara escura numa das casas de banho do liceu junto à sala 80 e foi aí que começou a grande paixão de Rui pela fotografia. “A primeira fotografia que revelei na vida foi no laboratório da casa de banho do liceu, o que é absolutamente incrível. A foto era de uma colega minha a andar de bicicleta ao pé da beira-mar”, recorda com um sorriso.
Além das experiências na escola, os pais de Rui já lhe tinham oferecido uma máquina fotográfica. Por isso, nas férias de verão, o setubalense decidiu fazer um curso de fotografia no antigo FAOJ (Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis) de Setúbal, na Praça Marquês de Pombal.
“Fui com um vizinho meu fazer esse curso de fotografia a preto e branco. Comprei uma máquina melhor, uma Nikon N2000, trazida dos Estados Unidos da América por um familiar que era piloto na TAP. No FAOJ deixavam-me revelar as minhas fotografias no laboratório deles e eu fiquei completamente fascinado”, diz.
Com o “bichinho” pela fotografia a crescer cada vez mais, Rui montou uma câmara escura no sótão da casa dos pais, onde revelou as suas primeiras fotografias. Decidido a seguir a área, foi tirar um curso de Fotografia no AR.CO (Centro de Arte e Comunicação Visual), em Lisboa.
A amizade com Luís Buchinho e a paixão pela fotografia de moda
Nessa altura, juntamente com o atual estilista Luís Buchinho, que tinha sido seu colega de turma no liceu, Rui fez alguns trabalhos de fotografia de moda. “O Luís estava a estudar Moda no Citex e tinha de confecionar roupa para algumas cadeiras. Então nós pedíamos a colegas que vestissem essas roupas e eu tirava as fotografias, que o Luís depois levava para as aulas e eu também para mostrarmos aos nossos professores. Normalmente íamos fazer essas sessões nas praias da Arrábida e era muito divertido”, lembra.
No primeiro ano do curso da escola do AR.CO, um dos colegas de turma de Rui, Gonçalo Salema, que tinha vindo de Macau trabalhava como assistente de fotografia no estúdio de Mário Cabrita Gil, em Alfama. “O Gonçalo disse-me que estavam a precisar de assistentes e eu fui trabalhar para lá como assistente do estúdio, que já tinha um laboratório de revelação de slides próprio. Basicamente estava a fazer o curso e a trabalhar ao mesmo tempo”, revela.
Do estúdio de Mário Cabrita Gil foi convidado para trabalhar noutro estúdio em Alfama, a Oficina de Imagem. Para juntar às suas experiências nos estúdios lisboetas, o fotojornalista foi fazer um novo curso de oito meses de Artes Gráficas, na Gráfica Idem, no bairro da Camarinha em Setúbal.
“Esse curso foi muito importante para mim, porque aprendi o que acontecia às fotografias quando eram impressas. Além disso, conheci imensos designers e pessoas ligadas a agências de publicidade, que iam imprimir trabalhos. Aproveitava para dizer que era fotógrafo e, por isso, comecei a arranjar clientes e a alargar os meus contactos”, sublinha. A certa altura saiu da Gráfica e começou a trabalhar por conta própria e a fazer trabalhos de estúdio, entre outros projetos mais específicos em câmaras municipais do distrito de Setúbal.
A conferência do Dia do Não Fumador e o início da carreira no jornal “Record”
Estávamos em 2000 quando Rui Minderico foi contratado pelo Ministério da Saúde para fazer a cobertura de uma cerimónia do Dia do Não Fumador, no auditório da Escola Superior de Comunicação Social, em Benfica. Na altura, a ministra da Saúde era Maria de Belém Roseira e o governo tinha convidado três personalidades para receberem medalhas do Não Fumador: o jornalista José Rodrigues dos Santos, uma deputada do CDS-PP e o judoca Nuno Delgado, que tinha acabado de ganhar uma medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de Sidney nesse ano.
“O auditório estava cheio de imprensa, desde jornais generalistas, desportivos, revistas e televisões. Enquanto esperávamos pela ministra que estava atrasadíssima, reparei num rapaz ao pé de mim com o telemóvel só a tocar. Ele parecia bastante nervoso e fui perguntar-lhe se estava tudo bem. Então ele explicou-me que era jornalista do ‘Record’ e que estava ali para tirar umas fotografias ao Nuno Delgado, mas precisava de ir rapidamente para o estádio de Alvalade porque o treinador Augusto Inácio tinha sido despedido do Sporting e ia dar uma conferência de imprensa”, conta.
Rui disse ao colega para ir para o serviço de Alvalade, que ele tirava as fotografias e depois enviava para o “Record”. E assim foi, Rui tirou as fotografias, o estafeta do jornal foi de mota buscar o rolo, levou-o para o jornal, onde revelaram as imagens e depois devolveu-lhe os negativos.
À noite, o fotógrafo recebeu uma chamada de um número desconhecido e atendeu. “Era o Francisco Paraíso, editor de fotografia do ‘Record’, a agradecer-me por ter enviado as fotografias da conferência. Ele perguntou-me se era de Setúbal e convidou-me para trabalhar com eles como fotógrafo do ‘Record’”, afirma.
Rui aceitou e começou a trabalhar no Record no dia seguinte. “Fotografava em película, depois ia ao Centro Comercial do Bonfim revelar os rolos, tirar os negativos e escolher as fotos. Quando chegava a casa, punha as fotos no scanner e enviava para a redação por email”, continua.
Por ser do mesmo grupo da Cofina, além do “Record”, Rui passou a trabalhar como fotógrafo freelancer no “Correio da Manhã”, revista “Sábado”, entre outros títulos do grupo e também na Agência Lusa.
A reportagem das demolições no bairro da Quinta da Parvoíce, em Setúbal
A Quinta da Parvoíce é um bairro de lata clandestino na encosta da Bela Vista, onde moram centenas de famílias sem as mínimas condições de higiene e segurança. Por causa da pandemia de Covid-19, muitos desses moradores ficaram desempregados, e sem qualquer rendimento.
Atualmente, o terreno do bairro é gerido por três entidades: o Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU), a Câmara Municipal de Setúbal e a Segurança Social. No dia 28 de fevereiro do ano passado, o IHRU decidiu demolir algumas casas por questões de segurança e saúde. Nesse dia, Rui foi chamado pelo “Correio da Manhã” para ir fotografar as demolições, que já se encontravam a decorrer.
“Quando cheguei lá ainda apanhei algumas máquinas, mas já estava praticamente tudo demolido. Estavam lá os moradores, a polícia, o padre Constantino Alves, o advogado dos moradores e o Jorge Pimenta, o porta-voz dos residentes no bairro. Os moradores foram mostrar-me o que tinha acontecido. De facto, o que tinham dito na imprensa é que iam demolir casas não habitadas, mas não foi verdade. Por exemplo, o Jorge Pimenta tinha construído um anexo para servir de casa de banho, que eles demoliram. Outro rapaz foi viver para o sofá de um vizinho porque ficou sem casa nesse dia”, aponta.
A distinção no concurso Tokyo Internacional Foto Awards
Depois do episódio das demolições, Rui voltou ao bairro da Quinta da Parvoíce várias vezes para saber como estavam os moradores. “Comecei a conhecer as pessoas e elas passaram a confiar em mim. No meu trabalho é muito importante que as pessoas percebam que não estou ali para explorar a pobreza deles mas para ajudá-los”, destaca.
Das visitas ao bairro, Rui ficou com várias fotografias e foi incentivado por colegas de trabalho a concorrer a uma competição de fotografia. O projeto “Forgotten Neighborhood (Bairro Esquecido)”, que inclui uma sequência de oito fotografias do bairro da Quinta da Parvoíce foi distinguido no concurso Tokyo Internacional Foto Awards com uma medalha de prata, na categoria editorial/notícias gerais. “Poderia ter sido um projeto pessoal, mas não foi feito a pensar no concurso. Concorri mesmo porque alguns colegas me desafiaram e tinha material, que se enquadrava na categoria”, conta.
Rui concorreu no final do ano passado e os resultados foram divulgados no passado dia 2 de fevereiro. Além de Rui, foram distinguidos mais dois fotojornalistas portugueses a morar em Macau. “O que me interessa como fotojornalista é encontrar histórias com relevância para as pessoas e que se possam contar através da fotografia e acho que foi isso que aconteceu com a Quinta da Parvoíce. Quando partilhei as fotografias nas redes sociais muitos setubalenses me perguntaram que bairro era aquele, porque na verdade, esta realidade é desconhecida para muita gente”.
Nelson Martins: um dos rostos da Quinta da Parvoíce
Uma das histórias do bairro que Rui recorda é a de Nelson Martins. O jovem licenciado ficou sem casa no dia das demolições e foi morar para o sofá de um vizinho. Quando Rui voltou ao bairro, já tinha arranjado trabalho como ajudante de jardineiro em Soltroia.
“Há um ano ele não tinha casa e hoje tem um trabalho e continua a viver no bairro. Acho que é um bom exemplo, porque há muita gente nas redes sociais a dizer que aquelas pessoas vivem do rendimento social de inserção e isso não é verdade. São pessoas que trabalham e que, em pleno século XXI não deviam viver em quatro paredes com uma telha por cima”.
A seguir, carregue na galeria para conhecer outros trabalhos de fotografia de Rui Minderico.