“À noite tudo parece pior”, diz a sabedoria popular. Todos já passámos por situações em que, pela dificuldade em adormecer ou por acordar a meio da noite, somos invadidos por pensamentos negativos, que nos causam ansiedade e dão mais peso aos problemas que nos preocupam diariamente. “Há um conjunto de fatores que o explica”, diz Patrícia Câmara, presidente da Sociedade Portuguesa de Psicossomática.
Nem sempre essa reação do corpo é negativa. “A verdade é que passamos o dia, muitas vezes, numa enorme agitação, sem possibilidade de processar os nossos pensamentos”, começa por explicar a psicóloga.
Com o passar do tempo, essa “toxicidade” vai-se acumulando e, “juntamente com os altos níveis de cortisol [hormona do stress] e outras desregulações psicofisiológicas” pode levar a essa sensação de ansiedade noturna. “Se os pensamentos não vão sendo digeridos, causam uma agitação muito grande”, diz Patrícia Câmara. E, mesmo quando é possível adormecer, “acordam-nos a meio da noite”.
Nesse caso, é possível que surja uma “preocupação real e permanente”, uma espécie de “angústia existencial”, até “um medo que aconteça algo a outra pessoa”. Mas também há quem acorde a pensar em “ansiedades do quotidiano, tarefas por cumprir, as mil coisas que é preciso fazer”, diz Patrícia.
Este fenómeno que ganha espaço nas madrugadas, é também explicado por ser a hora em que o organismo atinge o ponto mais baixo do ciclo circadiano, ou seja, a temperatura corporal diminui, o metabolismo desacelera e os níveis de serotonina baixam. Assim, a mente torna-se mais vulnerável a interpretações mais distantes da realidade.
Há demasiadas solicitações e é “impossível correspondermos a todas”, explica a psicóloga. Os níveis de ansiedade têm impacto na qualidade do sono, que passa a ser menos “reparador”.
Estar no telemóvel antes de ir dormir “também tem uma interferência negativa” devido à luminosidade e aos estímulos, mas é “uma de mil coisas”. Devem evitar-se atividades “muito estimulantes”. A leitura pode ser uma boa opção, e os “movimentos aconchego” são “facilitadores de um bom sono”.
Por outro lado, o próprio ato de deitar acaba por ser um momento mais “contemplativo”, refere a especialista, acabando por levar a certo tipo de pensamentos. “Quando queremos fazer um raciocínio lógico sentamos, quando queremos divagar sobre um assunto a tendência é deitar”, nota Patrícia Câmara, explicando que a utilização do divã na psicanálise também está ligada a essa ideia.
A especialista refere que o sono “pode ajudar a pensar, ainda que inconscientemente”. Afirma que “os sonhos ajudam a regulação psicofisiológica do organismo”. Assim, acordar a meio da noite com um mau pressentimento, ou até com uma sensação de susto, pode ter uma causa emocional ou ser uma tradução de alterações nos níveis de cortisol ou do ritmo circadiano, por exemplo.
No entanto, segundo Patrícia Câmara, acordar a meio da noite é normal. A psicóloga sublinha que este facto não tem de ter um fator patológico associado “e não temos de nos assustar com isso”. Até porque se se começa a criar uma sensação de medo antes de ir dormir, um problema inicialmente pequeno pode transformar-se “numa pescadinha de rabo na boca” e cada vez ficar mais difícil adormecer.
Se este tipo de perturbações do sono se tornarem regulares, é preciso “dar-lhes atenção” e perceber que podem ter várias origens. “Uma pessoa que trabalhe à noite, sempre em contracorrente, tem mais alterações no ritmo circadiano — unindo com outros fatores como stress, pode dar mau resultado”, alerta a especialista.
E quando as alterações são repentinas e persistentes é importante fazer um “diagnóstico diferencial porque pode existir uma causa orgânica”. Patrícia Câmara sublinha que “há muitas doenças físicas que podem causar alterações de sono”.
Mas a estratégia mais importante, garante, é “ter capacidade de pensar sobre o que acontece à nossa volta”, porque se começamos a ter um “conjunto de alterações de sono significa que algo se está a passar e temos de pensar sobre o que é”.