Uma noite mal dormida já aconteceu a (quase) todos: o despertador toca e percebemos logo que não dormimos o suficiente. Olheiras, bocejos, aquela sensação de corpo cansado. É fácil adivinhar que o dia que aí vem não será fácil.
Se for só uma, não é propriamente um problema. Mas, às vezes, há algo mais profundo a acontecer, sobretudo quando os nossos padrões de descanso noturno não nos permitem repousar o suficiente. Há quem pense que lida bem com poucas horas de sono por noite, mas as coisas nunca são assim tão simples. Como é que sabemos que podemos já estar a sofrer de um distúrbio?
Susana Sousa, pneumologista e coordenadora da unidade de medicina do sono do Hospital CUF Descobertas, explica à NiT que a “avaliação clínica das doenças do sono começa com uma consulta em que cada sintoma deve ser avaliado com o maior detalhe”.
“Falta de energia, fadiga, cansaço, falta de motivação: são muitas as formas de descrever um sintoma tão subjetivo como a sonolência”, destaca. São um bom ponto de partida para abordar a questão mas é “a descrição detalhada de cada um dos sinais que permite orientar o diagnóstico e decidir qual o exame mais indicado, caso a caso”.
Será que falamos sempre de algo clínico? Não. “A sonolência é um sintoma complexo e multifacetado que resulta de uma alteração do estado de consciência mas nem sempre é consequência de uma perturbação específica do sono. Pode resultar apenas do facto de não se dormir o número necessário de horas”.
E que número mágico é esse? “A maior parte dos estudos refere que para 90 por parte da população adulta, 7 a 8 horas de sono são suficientes, enquanto 5 por cento não precisa de mais de 6 horas de sono e outros 5 por cento precisa de dormir mais do que 9 a 10 horas de sono. Mas, de facto, não existe um número mágico”, esclarece.
Segundo várias biografias, perfis e até declarações do próprio, o presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, precisa de dormir menos do que a média (quatro a cinco horas por noite). Mesmo lá por casa, em família, os hábitos podem ser diferentes e não têm apenas a ver com a idade das pessoas. Um casal de idade próxima pode ter necessidades de sono diferentes: o melhor guia é mesmo o nosso próprio organismo.
“A melhor recomendação é que devemos dormir o número de horas necessário para acordarmos bem, com sensação de sono repousante e com capacidade de nos mantermos alerta e ativos durante o dia. E, para isso, o sono deve ter a duração, continuidade e qualidade adequadas”, especifica Susana Sousa.
A especialista realça que é frequente ouvirmos frases como ‘eu não preciso de dormir muito’, até com algum orgulho, ou ‘dormir menos é uma questão de treino’. “No entanto, o número de horas que precisamos de dormir não é negociável nem possível de treinar. O sono é uma função fisiológica essencial à vida”.
Todos sabemos como nos sentimos limitado quando não dormimos o suficiente. Mas o impacto da falta de repouso noturno até pode ser maior do que imaginamos. “As consequências de um ‘mau sono’ e da privação de sono podem ser graves e incluem a sonolência mas também alterações no desempenho diário, alterações da memória e concentração, doenças cardíacas, doenças neurológicas, ansiedade e depressão, entre outros. Além de poder aumentar o risco de doenças, pode agravar doenças prévias ou pode ser um sinal precoce de uma doença ainda não diagnosticada”.
No ritmo acelerado dos nossos dias, este pode ser um fenómeno cuja dimensão é pode ser maior do que pensamos. “Os estudos apontam que um total de 30 por cento da população pode sofrer de um problema de sono e, por isso, se torna tão importante estar atento”, alerta.
“Infelizmente, a maior parte das pessoas tende a não valorizar o aparecimento de sonolência como um alerta para uma doença”, acrescenta ainda Susana Sousa. O excesso de trabalho, o avançar da idade ou o stress acabam muitas vezes por ser apontados como causa de sintomas que se vão instalando gradualmente. “Mas se a sonolência se torna frequente, quando se torna difícil manter-se desperto em situações ativas, como numa reunião de trabalho ou a conduzir, deve procurar ajuda”.
A especialista vai mais longe e elenca problemas como a apneia. “É importante desmistificar frases que ouvimos frequentemente em consulta como ‘ressonar é normal’ ou ‘é normal adormecer em frente à televisão’”.
Se a probabilidade de adormecer noutro contexto se tornar frequente e/ou se surgir associada a ressonar, a pausas na respiração enquanto dorme, a dores de cabeça matinais ou a dificuldade em manter a concentração e atenção, podemos estar perante um quadro de apneia de sono e é importante procurar ajuda.
“Falamos de uma doença com elevado risco cardiovascular mas, também, com impacto na saúde pública por poder ser causa de acidentes de trabalho ou de viação”. A boa notícia é que se trata de uma doença tratável. Para tal, será importante saber quando procurar ajuda e também contar com quem está próximo. O tal ressonar, o descanso demasiado agitado, são o tipo de fatores para os quais poderão ser outras pessoas a alertar-nos.
No mundo complexo do sono há muitas perturbações e para dormir bem, por vezes é preciso desenvolver algumas estratégias, como manter uma hora regular de deitar. Se não funcionarem, poderá ser sinal de que é altura de procurar um especialista.