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Como reconhecer os sinais precoces das Perturbações do Comportamento Alimentar

Sancha Ferreira, psicóloga e nutricionista, alerta para a urgência de identificar estas condições e evitar complicações mais graves.
É preciso estar atento aos sinais.

Num contexto social onde a aparência, muitas vezes, se sobrepõe ao bem-estar, o valor pessoal é visto como dependente do peso e controlo corporal. As Perturbações do Comportamento Alimentar (PCA) surgem como problemas psicológicos graves e cada vez mais frequentes, sobretudo entre adolescentes e jovens adultos. Estas condições têm um impacto profundo na saúde física, mental e na qualidade de vida, exigindo uma resposta precoce e integrada.

As PCA englobam a anorexia nervosa, bulimia nervosa, voracidade alimentar, ortorexia e outras perturbações não especificadas, sendo estas últimas as mais comuns.

A anorexia nervosa tem uma elevada taxa de mortalidade e morbilidade, apesar da baixa incidência. Mais frequente em raparigas adolescentes, os casos nos rapazes começam a ganhar relevância. Caracteriza-se por uma autoimagem distorcida, restrição alimentar severa e medo intenso de engordar, resultando num emagrecimento acentuado com diversas complicações físicas associadas à deficiência de macro e micronutrientes (entre elas hálito cetónico, distensão abdominal, pele seca, tensão muscular, alterações neurológicas), psicológicas e sociais.

A bulimia nervosa, por sua vez, manifesta-se sobretudo no final da adolescência e início da vida adulta, sendo mais prevalente nas mulheres. Consiste em episódios de ingestão compulsiva seguidos de comportamentos compensatórios como vómitos, jejum, uso de laxantes ou exercício físico em excesso. As consequências são graves, incluindo problemas gastrointestinais, metabólicos, dermatológicos e psicológicos (isolamento social, apatia e dificuldades de concentração).

A voracidade alimentar afeta até 4 por cento da população geral e pode chegar a 50 por cento entre quem segue planos de emagrecimento. Caracteriza-se pela ingestão descontrolada de grandes quantidades de alimentos, num curto espaço de tempo, acompanhada de sentimentos de culpa e vergonha. Contrariamente à bulimia, não existem comportamentos compensatórios, pelo que o peso tende a aumentar. Associando-se os sintomas aos do excesso de peso e obesidade.

A ortorexia, menos conhecida, pode definir-se pela obsessão numa alimentação saudável, em que é despendido demasiado tempo no planeamento e preparação de refeições, com grande rigidez relativamente à escolha dos alimentos. Embora socialmente aceite, esta perturbação pode gerar défices nutricionais e isolamento social.

Por fim, as PCA não especificadas, mais frequentes, incluem casos que não preenchem todos os critérios das categorias clássicas, mas que apresentam sinais clínicos relevantes e que requerem igualmente acompanhamento.

Assim, pelo impacto das PCA urge atender aos primeiros sinais – muitas vezes discretos – que indicam que algo não está bem. Este texto pretende por isso alertar para os mesmos (físicos, emocionais e comportamentais), reforçando a importância de uma intervenção precoce e multidisciplinar.

Os sinais de alerta

Transversalmente a todas as PCA, o aumento ou perda de peso súbito é um dos indicadores mais visíveis, podendo resultar de restrição alimentar ou episódios de compulsão. Paralelamente, problemas digestivos frequentes (obstipação, refluxo e distensão abdominal) podem ser consequência de padrões alimentares irregulares, uso de laxantes ou de uma restrição severa de ingestão. Os sinais de desnutrição como queda de cabelo, pele seca, maior sensibilidade ao frio ou cansaço persistente, devem ser valorizados pois tendem a resultar de restrições alimentares prolongadas.  

Para além dos sinais físicos, as alterações cognitivas e emocionais embora menos óbvias, são cruciais: obsessão com o corpo, verificações constantes ao espelho, comentários depreciativos sobre si próprio(a), divisão de alimentos entre “seguros” e “proibidos”, ansiedade associada à alimentação e oscilações de humor acentuadas.

Os sinais comportamentais são por vezes os primeiros a despertar a atenção de familiares ou amigos: alterações drásticas nos hábitos alimentares, como saltar refeições, dividir os alimentos em pedaços extremamente pequenos, espalhar comida pelo prato, cozinhar grandes quantidades de comida e apreciar os outros a comer, comer em segredo, deitar comida fora ou recusa em partilhar refeições em família. Também o aumento repentino da prática de exercício físico ou o uso de substâncias para emagrecer são alertas relevantes. Assim como a recusa em vestir determinadas roupas de que antes se gostava, um maior isolamento social e alterações no sono.

Quando intervir

Reconhecendo estes sinais das Perturbações do Comportamento Alimentar torna-se possível intervir precocemente, o que melhora substancialmente o prognóstico e evita complicações mais graves. A atuação deve assentar em quatro passos essenciais: falar com a pessoa afetada de forma empática e sem julgamentos, demonstrando preocupação genuína; procurar apoio profissional especializado, reunindo uma equipa multidisciplinar (médico, psicólogo, psiquiatra, nutricionista) de forma a tratar sintomas e causas; informar-se sobre o tema, para melhor compreender a realidade da pessoa em sofrimento e manter o suporte contínuo, pois o apoio familiar e social é um pilar fundamental na recuperação.

A alimentação satisfaz as nossas necessidades físicas, fisiológicas e emocionais básicas, pelo que o ato de comer não deve ser motivo de culpa, nem a alimentação fonte de sofrimento. Desta forma, estar atento, agir com sensibilidade e envolver os profissionais necessários são passos fundamentais para salvar vidas.

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