O duo setubalense Um Corpo Estranho, formado por João Miguel Mota e Pedro Franco, começou o ano com um lançamento especial e nostálgico, mas ainda bastante atual nos dias de hoje. No passado dia 24 de janeiro, sexta-feira, apresentou a própria versão de “Canção da Paciência”, o tema original do falecido cantor e compositor português José Afonso.
“Não sei se fomos nós que escolhemos este tema ou o tema nos escolheu”, confessam os músicos à NiS. “Na verdade, foi algo que partiu de um processo natural de quem toca um instrumento. Era uma melodia que andava a soar na cabeça e que passou para a guitarra em modo muito pessoal e com uma cadência marcada, muito típica d’Um Corpo Estranho, sem os arabescos geniais do tema original.”
João e Pedro consideram a letra da canção original “uma coisa gritante”, descrevendo-a como “um poema muito pungente que nos bateu bem cá dentro”. Esta foi uma das razões que acabou por incentivar os dois amigos a apostarem na própria versão. “É incrível enquanto reflexo dos nossos tempos, o tipo de sentimento que esta canção carrega, que consegue atravessar gerações sem nunca perder a força. Aliás, como o seu autor”, sublinha.
O processo de criação não foi rápido e, segundo revelaram à NiS, demorou dois anos até chegarem à versão final. “Não sabíamos bem o que fazer com o tema”, confessa João. “Não era algo que fizesse sentido em disco, mas queríamos libertá-lo também. Não foi aquela coisa de construção muito protocolar de se fazer uma canção. Mas estava lá e sabíamos bem de quem era e o que queria dizer. Às vezes, roubamos melodias à memória que até podem vir de alguma coisa que já ouvimos. Mas esta tem uma identidade muito específica. Zeca tem isso, faz-nos parte do ADN”, explica Pedro.
Em 2024, Um Corpo Estranho lançou “O Ferroviário”, um disco instrumental que resultou da colaboração do duo com o festival Film Fest, evento para o qual Pedro e João foram convidados dois anos antes a criar a banda sonora musicada ao vivo para o filme “The Railroader”, realizado por Buster Keaton.
Este ano, já têm algumas ideias de caminhos que querem seguir. Mas garantem: “Fazer planos deixou de ser um protocolo que seguimos enquanto método de trabalho.”
E acrescentam que preferem “seguir o rumo desta coisa que é fazer canções ou compor com algum desejo específico de forma muito serena”. E cada vez “têm menos pressa”. No entanto, não deixam de deixar uma novidade: estão a terminar um novo disco, que ainda não tem data de lançamento. “Quem sabe se não o editamos ainda este ano?”, partilham, animados.
O duo toca em conjunto desde os 16 anos e a música sempre fez parte do seu dia a dia. Os dois amigos estiveram vários anos sem terem contacto, mas reencontraram-se no Teatro da Trindade quando Pedro estava a fazer a banda sonora e a sonoplastia de um espetáculo produzido por uma companhia de Santa Iria da Azoia. “Ele foi ver a minha peça e disse-me que tinha umas canções e que gostava de criar um projeto”, disse à NiS João Mota, numa entrevista passada.
Como Pedro era guitarrista dos Hands on Approach, sentiu que era a altura de seguir um caminho próprio baseado em originais e ao lado de alguém com quem já tinha uma ligação de cumplicidade. Assim, em 2012, nasceu Um Corpo Estranho.