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Pedro Monchique: “A minha história com o Absurdo foi escrita com caneta de ouro”

A NiS falou com o DJ setubalense sobre o seu percurso, desde 2019, e a nova etapa no Algarve.
Uma entrevista de vida.

O aviso estava feito ainda antes de começar a falar. Não era uma conversa curta, nem uma história que fosse contada em 15 minutos. E nem falámos de todos os capítulos. Sentámo-nos para entrevistar o DJ, mas acabámos por perceber que quem estava à nossa frente era Pedro Monchique. Simples, direto, assertivo e humilde. Era assim que estava no dia em que contou tudo acerca da nova etapa que vai iniciar, no Algarve.

Depois de 30 anos de carreira com um tom agridoce, mas sempre com dedicação, sorrisos, amor pela profissão e, claro, pela música e pelo Absurdo, Pedro, 45 anos, vai sair de Setúbal. No entanto, não se esquece dos tempos em que foi mais difícil, nem do conceito que criou na pandemia e que implementa agora no trabalho. Todos os caminhos conduziram ao profissional que desejava ser — e que, sem margem para dúvidas, já é.

Leia a entrevista completa que o DJ Pedro Monchique deu à New in Setúbal.

A última vez que falámos foi em 2019. Aconteceram muitas coisas desde essa altura.
Desde 2019 foi todo um mundo. Fui considerado Embaixador de Setúbal e comecei a visitar muito mais casas, em Portugal. Comecei a deslocar-me mais a nível nacional e foi aí que divulguei a gastronomia e aquilo que Setúbal tem de melhor. Nunca parei. Nos primeiros tempos, já em 2020, pensávamos que a pandemia ia durar só até ao verão, mas a verdade é que não passou.

E como é que lidou com essa situação, inicialmente?
Entre março de 2020 e até há bem pouco tempo, fiz streamings. A primeira experiência foi no Facebook, para pessoas conhecidas, mas depois percebi que podia levar uma palavra de alegria e de magia a todos, mesmo estando trancados em casa, vi duas ou três formas que podiam ser benéficas para a minha profissão. Todo o cenário ajudou a que eu ganhasse um bocado de popularidade nos streamings que fiz e chamar a atenção dos estrangeiros.

Então, não era só para o público português?
Comecei a fazer para Inglaterra e, quando dei por mim, estava a fazer para a outra parte do mundo. Cheguei a muita gente. Recebi mensagens do Japão, quando aqui era meio-dia, lá era meia-noite, a pedir para não acabar porque queriam estar a curtir a música. Esperavam por mim e era uma espécie de elixir. Quando dizem que a Covid-19 foi má, é verdade, mas também acabou por ajudar muito na minha carreira. Houve muita empatia e gerou-se algo muito bom naquela altura, que nem sei bem o termo que devo usar. Uniu o DJ Pedro Monchique às pessoas e as pessoas ao DJ Pedro Monchique. Comecei por fazer do meio-dia às 13 horas, numa primeira fase, e depois, quando as coisas começaram a mexer, passei para o final da tarde, na altura em que a pandemia aliviou um bocadinho, até chegar às 22 horas.

Quando é que retomou a sua profissão fora do online?
Em 2021, continuou a ser muito à volta disto. Enquanto DJ residente do Absurdo, era DJ do Feito ao Bife. As pessoas iam jantar e tinham música. Começámos a puxar um bocadinho a cena do bar para os jantares. De vez em quando, proporcionávamos essa experiência com DJ saxofone, ou violino, além do fado. Queríamos convidar as pessoas e elas estavam sedentas de sair.

Mudou alguma coisa com esse seu projeto de streaming?
Quando deram a possibilidade de voltar a trabalhar em fevereiro de 2022, o interessante é que, nos primeiros telefonemas que recebi para voltar ao ativo de uma forma regular, as pessoas começaram a pedir que eu replicasse aquilo que fazia nos streamings, mas ao vivo, nomeadamente o conceito que criei nessa altura, o ‘Celebrate Generations”.

Que conceito é esse?
É um conceito de música desde os anos 80 até 2000, mas com complemento de áudio e vídeo em tempo real. Basicamente, o pessoal está na festa, a música está a tocar e, ao mesmo tempo, está a imagem desse som a ser transmitido. Em 2019, quando fui nomeado embaixador da cidade, tinha um conceito que eram as festas de barco no Sado, o ‘Ballet no Rio’. Atraíam cerca de 70 a 75 pessoas, para beber cocktails, caipirinhas e dançar. Todos esses eventos tinham uma obrigatoriedade: assim que entrava, tinham de se ‘despir de tudo’. Deixar o seu ‘eu’ à entrada do barco e divertir-se a sério. Também terminou por causa da pandemia e, quando voltei de forma regular, tive de pensar nos diversos projetos e arrepiar caminho para uns e deixar outros para trás porque não dava para tudo.

Quais continuaram?
O ‘Celebrate Generations’ continuou. É o menino dos meus olhos. Há o conceito de DJ Pedro Monchique que todos associam ao Absurdo, mas também há aquele fora do Absurdo, além da pessoa, esse conceito é a luz dos meus olhos porque foi uma coisa que criei na pandemia e consegui que saísse do online para a rua, para as festas grandes, para as casas que visito. E o mais engraçado é que as pessoas se deslocam de todo o distrito para ir aos locais onde vou atuar. Eu faço isto com liberdade musical e é uma autêntica viagem no tempo, mas como me apetece. Podem ouvir pop, rock, o Dartacão, depois Ana Malhoa, etc.

Cada noite é diferente, portanto.
Tem de ser diferente. Não nos podemos acomodar. Tenho a mania de comparar a noite ao futebol. Diz-se que na equipa que ganha, não se mexe. E nós, DJ, temos aquele set e vamos metendo e vendo a reação das pessoas. Se for desde a música um à dez, um verão inteiro, todas as noites, vão dizer: ‘Já não quero ouvir este gajo porque é sempre a mesma coisa’. Num evento que fiz, em Palmela, pus um clipe promocional de seis minutos, onde estavam uns 14 ou 15 clipes de séries e filmes dos anos 80. E eu vi pessoas a chorar. E eu pensei que não comprei aquele conceito a ninguém, fui eu que o criei. Estou a criar emoções e reações.

Tem 30 anos de carreira, completados em Setúbal. Qual é a maior lembrança que guarda?
Não posso levar só uma. É mais fácil perguntar uma lembrança por cada ano. São 30 lembranças. Em 2023, quando celebrei essa data, tentei selecionar 30 músicas e 30 fotografias e não consegui porque, não desde 2019, mas desde que comecei no Absurdo, em 2011, que foi quando se virou a página, começou a escrever-se uma história muito bonita. Até aí, era só mais um DJ e já era conhecido, mas não era este boom. A história que escrevi com o Absurdo, ele começou também a escrever comigo porque sempre foi uma casa de referência e eu fui um DJ, que quando entrei, não era unânime, mas existia alguém que me dizia que eu não era uma aposta, era uma certeza. E eu e o meu patrão, o Espanhol, discutimos quase todos os fins de semana. A casa estava sempre cheia, mas discutíamos, até que houve um dia em que enterrámos o machado de guerra e tudo começou a crescer no sentido em que o Abursdo deu um pulo gigante e eu fui atrás. O meu amor pelo bar foi crescendo de uma forma que cheguei a uma determinada altura em que era Absurdo para todo o lado. Onde eu ia, como embaixador de Setúbal, levava uma caixinha de esses de Azeitão, choco frito, uma garrafa de moscatel, além da camisola do Absurdo. O DJ Pedro Monchique cresceu muito no Absurdo, foi ali que comecei a ganhar outra visibilidade e quando nós, profissionais, nos apercebemos desta visibilidade gratuita, agarramos tudo. E foi o que aconteceu.

É compreensível não conseguir destacar um momento, no meio de tantos.
O que é certo é que a minha história com o Absurdo foi escrita a caneta de ouro. Se perguntar qual foi o melhor momento de 2023, foi o aniversário do Absurdo, além da festa que faço todos os anos numa estalagem de vinhos, a White Wine Party, para 1000 e tal pessoas, na estalagem do Sado. Em 2022, fiz a White Party, em Palmela, que juntou seis mil pessoas. Há também o regresso da noite, a 22 de fevereiro, no fim de semana de Carnaval. Em 2021, fiz a Passagem de Ano em casa, sozinho com o meu filho porque a minha mulher e a minha filha estavam no hospital. Tive imensas pessoas comigo, parecia que estava em palco com quatro ou cinco mil pessoas à frente. Havia muitos momentos para contar e histórias de Setúbal muito bonitas, como a Passagem de Ano de 2023, na Doca dos Pescadores. Foi encerrar com chave de ouro o meu capítulo na cidade. E há também a história da Benedita.

Quer partilhar um pouco?
Não posso dissociar o DJ Pedro Monchique do Pedro Monchique, porque as coisas estão ligadas de uma maneira muito forte. A história da Benedita acaba por entrar aqui, de uma forma solidária. A minha filha foi diagnosticada com epilepsia refrataria focal, tinha uma encefalopatia e perdeu muitas das aptidões que tinha, porque tinha crises. Chegou a ter 60 numa hora em plena pandemia. A certa altura, peço ajuda num dos meus streamings e aí é que Setúbal se uniu com uma forma gigante e apoiou-me muito. Pode ter sido por aí que fiquei ainda mais conhecido do que já era e muita gente conheceu o DJ Pedro Monchique por ser o pai da Benedita, que tem aquele problema de saúde. Ao mesmo tempo, foram atrás do DJ Pedro Monchique.

E como é que surgiu o convite para ir para o Algarve?
Foi por acaso. Já fazia as minhas datas, até porque quando eu convidava alguém para a minha casa no Absurdo, esse alguém também me convidava para a dele. O ano passado, fui confrontado com esta proposta do pé para a mão. Vou para Albufeira trabalhar para um espaço do grupo Liberto Mealha. Eu até ia fazer uma das minhas noites num dos espaços que eles têm, e quando estou na cabine, vêm ao pé de mim e perguntam se não queria começar no dia seguinte. Não podia ser assim porque tinha a minha vida toda em Setúbal. Pedi para formalizarem a proposta, assim foi, e aceitei.

Foi uma decisão difícil?
Nunca se toma uma decisão destas de ânimo leve. Uma coisa, era não existir ninguém que nos prenda ao sítio. Na realidade, até não tenho porque o meu pai já morreu, a minha avó, quem me criou também e, apesar dos restantes familiares, não me prendo por cá. A minha mulher e os meus filhos compreendem porque é que tenho de ir e, a partir do momento em que eles são os próprios a dizer para ser feliz, o que é que eu posso fazer?

Acha que vai ser feliz?
Vou. Há aqueles momentos em que falamos com as pessoas e parece que, mesmo que não as conheçamos bem, parece que as conhecemos há décadas. Foi o que aconteceu. Eles têm uma grande expectativa e até vêm ao meu próximo evento, em Palmela, dia 3 de fevereiro, para me verem a trabalhar. Antes de tomar a atitude final, falei com meia dúzia de pessoas que conheço e que estão no Algarve, que também deixaram a vida delas em Setúbal e se mudaram. Todos disseram para ir por dois motivos: primeiro porque o espaço para onde vou era a minha cara e, depois, porque o Algarve precisava de DJ com a minha qualidade.

O público vai ser diferente. Vai adotar outro estilo?
Vou adaptar-me. Albufeira tem 80 por cento de estrangeiros e 20 por cento de locais. Já estou a trabalhar nesse sentido e, mais uma vez, os streamings ajudaram muito. Tenho lá uma dúzia de DJ em que pergunto o que está a bater e eles dizem. As ferramentas digitais também ajudam muito. Onde vou estar é um local que tem essência de um Irish Pub. Tem um restaurante no primeiro andar e, por baixo, o bar. Têm a imagem de sport bar durante o dia e à noite só bar. Eles têm umas ideias para 2024 e eu vou trabalhar todos os dias. A proposta chega à mesa por causa disto: fiz uma noite em 2023 que não promovi. Nessa noite, estava lá um casal que é muito amigo do dono do bar e que falou de mim e do meu trabalho e a proposta era muito boa e efetiva. Com bom ordenado e alojamento. Foi uma conquista.

Qual é a mensagem de despedida que deixa aos setubalenses depois de 30 anos?
Posso dizer que os primeiros 25 anos foram muito complicados. Foram os anos de aceitação dos setubalenses. Os últimos cinco anos, quando fui aceite, dei e vou continuar a dar, até porque saio do Absurdo, mas ele nunca vai sair de mim, assim como Setúbal. Todos vão saber que sou de Setúbal e vou continuar a visitar a minha cidade. As pessoas vão continuar a ver-me, a não ser que ganhe mercado. Mas uma mensagem concreta para deixar… não sei. Foi uma carreira construída e elevada em Setúbal, entre bons e maus momentos, mais bons do que maus, mas foi uma cidade que sempre me apoiou quando precisei. Os setubalenses são muito bons nisso. Venha de lá esta nova etapa, que não é onde vou à procura de mais crescimento a nível profissional, mas de qualidade de vida e estabilidade. O meu legado está entregue. O meu filho está pronto para entrar nesta vida de DJ. Está a tirar o curso dele, mas não me livro dele ser DJ. 

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