Escrever significa deixar a nossa marca no mundo. Se pensarmos bem, é através dos documentos escritos há centenas de anos que conseguimos construir momentos do passado. É um dos legados mais importantes e valiosos, a par das recordações que temos e vivemos. Miriam Gonçalves, 38 anos, espera nunca se esquecer das histórias dos avós, mas também das aventuras com o “grande amigo, companheiro de infância”, Joel, que morreu em 2008.
Tudo o que viveu e aprendeu, além dos produtos fruto da imaginação, contribuiu para o lançamento do seu primeiro livro infantil, “O Mistério dos Ovos Desaparecidos”, apresentado este sábado, 23 de novembro, na FNAC do Colombo. Contar histórias para miúdos é o seu grande foco, algo que já faz no podcast semanal onde participa, “Só Mais uma Estória”.
Esta foi a primeira de muitas obras que pretende escrever, já que pretende, além de chegar aos pais e filhos através destas histórias, é ver o seu nome reconhecido enquanto escritora de livros infantis. “O Mistério dos Ovos Desaparecidos” já está à venda nas várias livrarias do País e custa 15,95€.
Desde miúda que a setubalense confessa que sempre quis fazer rádio. “Na escola primária onde andei no bairro de São Gabriel, a professora Ercília punha-me a ler muitas vezes e elogiava a minha leitura. No quarto ano cheguei a apresentar a festa de Natal da escola e nunca tinha pensado nisto, mas o ‘bichinho’ da apresentação e da voz deve ter começado aí”, conta Miriam à NiS.
Em 2003, a RFM fez o programa “Café da Manhã” ao vivo na Praça do Bocage e o António Antunes dessa mesma rádio perguntou se ela queria trabalhar na estação. E assim foi. Antes disso, seguindo o conselho de António, Miriam fez dois cursos e o estágio na RFM. Trabalha há 15 anos no grupo Renascença multimédia e há dez como animadora, tendo passado, além destas duas estações, pela rádio Sim. Tem dois filhos setubalenses e um podcast de estórias infantis, além do projeto Cápsula do Tempo.
A NiS falou com Miriam para perceber como foi trabalhar neste novo desafio. Leia abaixo a entrevista na íntegra.
Gosta muito de contar histórias e de partilhá-las. Qual é a sua favorita ou aquela que nunca vai esquecer?
As estórias meu avô e da minha avó. Mas também do meu amigo Joel, que faleceu em 2008. Muitos bocadinhos das minhas estórias são inspirados no que vivi com ele. Ainda penso escrever sobre o dia em que ele queria andar na minha bicicleta e eu desafiei-o para uma corrida extremamente injusta.
Que corrida foi essa?
Eu na bicicleta e ele a correr. Quem chegasse primeiro ao portão ficava com a bicicleta. Na zona onde moro, as estradas não eram alcatroadas (e inacreditavelmente, continuam a não ser, 30 anos depois) e a meio da corrida, a roda da minha bicicleta bateu numa pedra da estrada de terra batida, caí eu com a bicicleta em cima de mim e enfiei uma das pedras no joelho. Ficou-me um belo buraco que originou uma cicatriz que guardo com muito carinho. Aprendi uma lição muito importante nesse dia. E sinceramente nem me lembro do Joel ter acabado por andar na minha bicicleta, apenas dele vir a correr na minha direção consolar-me, depois de chegar ao portão e ganhar a corrida.
E qual é a história do seu novo livro infantil, “O Mistério dos Ovos Desaparecidos”?
É a estória de um reino onde, de repente, as galinhas deixaram de pôr ovos. Ora para além do rei deste reino adorar comer ovos, ele fica verdadeiramente consternado com qualquer problema que haja no reino e quer solucioná-lo. Para isso, chama o conselho supremo do seu reino, que é composto pela sua família e, juntos, tentam arranjar uma solução.
Como foi o processo criativo? Quantas vezes apagou, quantas reescreveu, quantas achou que não estava bom?
Esta estória faz parte do podcast infantil da Renascença “Só Mais uma Estória” que tenho em coautoria com a Raquel Bastos. Todas as semanas, sai uma estória nova e calha uma minha de 15 em 15 dias, ou seja, não tenho muito tempo para apagar e voltar a escrever. No caso desta especificamente, foi-me pedida para contá-la a crianças, por isso, primeiro contei-a e depois escrevia-a. Então já tinha a ideia toda na minha cabeça, já sabia o que funcionava ou não, por isso foi relativamente rápida de escrever.
E qual é a mensagem que pretende passar?
Nem sempre a primeira solução que vem à cabeça é a mais acertada, que o amor é sempre a melhor solução e que a família é o bem mais precioso.
Como é que sabemos que conseguimos cumprir o objetivo de passar essa mensagem, a um público infantil?
Acho que não sabemos nunca se a mensagem chega lá, no seu objetivo máximo. Mas quando vou a algum lado e sou abraçada por crianças que leram o meu livro, parece-me que sim. Que alguma coisa da mensagem passou.
E porquê escrever para o público infantil?
Acabou por ser consequência de ter filhos e inventar estórias para eles, e claro, de ter um podcast infantil. Queria ter um podcast que fosse diferente dos outros e escolhi ser um podcast de estórias infantis para ajudar os pais, quando à noite os miúdos lhes pedem só mais uma estória antes de dormir e eles já estão cansados.
Quis, então, avançar e escrever um livro.
Desde o início do podcast, em março de 2023, que os ouvintes me perguntavam quando é que eu tornava as estórias do podcast em livros e eu estava à espera da editora certa. E encontrei tudo o que quis e idealizei na Alma dos livros.
É mais desafiante escrever para os miúdos do que para os adultos?
Para os adultos, pelo menos, para mim. Escrever para os mais novos é algo natural para mim, talvez por ter trabalhado ligada com eles a vida toda.
E já tem projetos para o futuro?
Adoraria continuar a editar livros. Ser uma autora reconhecida na literatura infanto-juvenil. Ser como as minhas referências, o António Torrado, a Alice Vieira, a Isabel Alçada e a Ana Maria Magalhães. Presunção e água benta cada um toma o que quer, mas já que me perguntam, respondo sinceramente.