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Madalena Matoso: “Há desenhos na minha exposição que nunca chegaram a ser usados”

A NiS falou com a ilustradora convidada da Festa da Ilustração, autora da mostra "Coisas Invisíveis", patente na Casa da Cultura.
Madalena Matoso e as "Coisas Invisíveis".

A Festa da Ilustração regressou à cidade em setembro e vai estender-se até final de dezembro. Ao todo, há 14 exposições para conhecer na nona edição da iniciativa organizada pelo município de Setúbal. Madalena Matoso é a convidada nacional deste ano e está em destaque, na Galeria de Exposições da Casa da Cultura de Setúbal, com a mostra de trabalhos originais “Coisas Invisíveis”, patente nesse espaço até 26 de novembro.

A ilustradora lisboeta, 49 anos, é licenciada em Design de Comunicação e pós-graduada em Design Gráfico Editorial pela Universidade de Barcelona. Em 1999, juntamente com três amigos, criou o Planeta Tangerina. Trata-se de uma editora, que trabalha principalmente com o formato álbum, com textos e imagens. No entanto, também tem uma vertente de atelier, onde desenvolve projetos de comunicação para crianças e jovens.

A artista recebeu o Prémio Nacional de Ilustração em 2008 e 2018 e menções especiais, em 2006, 2007, 2009 e 2014. Conquistou o Prémio Ilustração de Livro Infantil Festival de BD Amadora em 2008 e 2011 e Prémio Autor SPA/Livro infantojuvenil, em 2015. Os originais da obra “Não é Nada Difícil — O Livro dos Labirintos” foram selecionados para a exposição de ilustração da Feira Internacional do Livro Infantil/Bolonha 2018. Este livro recebeu também uma Menção Honrosa, na categoria “Children’s Picture Books”, na Feira de Direitos de Nova Iorque. Várias outras menções e galardões foram atribuídos à ilustradora, que dá aulas de Ilustração na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Lisboa, desde 2010.

Leia a entrevista completa de Madalena Matoso à New in Setúbal.

Sempre pensou ser ilustradora ou não?
Estudei na Faculdade de Belas Artes de Lisboa e fiz alguns trabalhos como freelancer. A certa altura, comecei a trabalhar com os meus amigos Isabel Minhós Martins, Bernardo P. Carvalho e João Gomes de Abreu. Fizemos alguns trabalhos de encomenda e, uns anos mais tarde, começámos a editar os nossos próprios livros. Assim nasceu a editora Planeta Tangerina. Nunca fiz muitos planos. As coisas foram acontecendo. Sempre gostei de livros ilustrados, mas nunca pensei de forma muito consciente que isso seria uma profissão possível. 

Como é que caracteriza a sua arte?
É bastante difícil falar sobre a “minha” arte. Aliás, nem sei se é considerada “arte”. Interessa-me muito o livro e as suas possibilidades. Gosto muito de trabalhar imagens em sequência, desenhos em relação com as palavras. Gosto de procurar e experimentar. Levo muito tempo a encontrar caminhos, que me apeteçam seguir. Preciso de encontrar algum elemento em cada projeto, que suscite entusiasmo e curiosidade. Gosto de fazer desenhos rápidos mas, por vezes, repito-os muitas vezes (e acabam por se tornar desenhos lentos).

Quais são as suas maiores influências?
Tudo o que vou vendo, lendo, ouvindo, conhecendo. Penso que tudo o que vivemos acaba por estar presente no que criamos. Existem muitos autores e ilustradores de que gosto e que me têm influenciado. Sempre que me perguntam nomes, o primeiro que me vem à cabeça é Bruno Munari. Talvez pelo facto dele, como autor, ilustrador e designer, questionar os limites do que é um livro e brincar com isso. Nunca sinto que as imagens criadas por ele são puramente estéticas. Sinto que nos seus livros há experimentação, brincadeira e interrogação e eu gosto disso. 

Já visitou Setúbal. O que acha da cidade?
É uma cidade muito bonita. O centro histórico é bonito, come-se muito bem e, do que conheço, penso que tem uma boa oferta cultural. Como todas as cidades, tem as suas questões mais problemáticas. Mas gosto sempre de ir a Setúbal. Tenho conhecido de perto as exposições na Casa da Avenida e gosto sempre de lá voltar.

E da Festa da Ilustração?
É um grande encontro de ilustradores e ilustradoras de diferentes épocas e lugares. Gosto muito de ver as exposições e de conhecer, dentro do possível, o processo de criação de livros e outros projetos de ilustração. Gosto da diversidade de propostas e de conhecer diferentes espaços expositivos, perto uns dos outros. Por exemplo, no fim de semana passado fui a cinco exposições diferentes e gostei da sensação de poder fazer essa circulação de forma muito fácil, a pé.

O que pode dizer sobre a exposição “Coisas Invisíveis”, que se encontra patente na Casa da Cultura?
É uma exposição onde se podem ver originais de três livros e dos cartazes, que tenho feito para concertos na SMUP (Sociedade Musical União Paredense). Os livros representados são bastante diferentes entre si (um livro de desenho/atividário), um livro de não ficção e um álbum ilustrado. São os últimos livros que fiz e penso que se consegue conhecer um pouco o processo de criação. Podemos ver desenhos que não correram bem, desenhos que nunca chegaram a ser usados, mas que fizeram parte da procura. Por vezes, faço desenhos em excesso e, nos livros, fica uma pequena parte dessa produção. Na verdade, além dos desenhos que ali estão expostos, ainda há muitos mais. Mas penso que se consegue ter uma ideia de como as coisas nascem, ou seja, de como uns desenhos vão dando lugar a outros. 

Quantos episódios marcantes teve ao longo da sua carreira?
Já tive muitos episódios marcantes, uns bons e outros maus. Não consigo selecionar um em particular. Há um momento fixo todas as semanas, que são os almoços que fazemos no Planeta Tangerina. Não tem nada de grandioso ou particular. Mas gosto muito daquele momento. Às vezes estão mais pessoas, outras menos. Semana após semana, não me farto. 

Alguma vez viu o seu trabalho censurado?
Já tive comentários e pedidos por parte de clientes, mas não sei se podemos chamar censura. Achei que estavam a ultrapassar o razoável no que diz respeito à intervenção no meu trabalho. Também aconteceu não chegarmos a um consenso e o trabalho não avançar. No caso dos livros, cujos direitos são vendidos para outros países, aconteceu haver alguns pedidos de alteração no desenho, que se relacionam com a “sensibilidade” relativamente a algumas questões. Por exemplo, pôr um biquíni para que não haja demasiada pele à vista, descer uma saia, entre outras coisas pontuais. Porém, nunca houve pedidos que achássemos que estavam a pôr em causa a integridade do nosso trabalho.

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