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Krazye Loko: o músico que cresceu na Tetra e tem uma carreira de 20 anos

A NiS entrevistou o artista setubalense que lançou o álbum “Viagem” e vai apresentar a faixa “Virei Cinza” em dezembro.
Um longo caminho percorrido.

Numa altura em que ninguém acreditava em si e no seu potencial, um grande amigo do setubalense Pedro Castro, 33 anos, que considera “um irmão” disse-lhe para seguir os seus sonhos. Para concretizar os seus objetivos e lutar pelo que quer, independentemente da opinião dos outros. Frase que nunca esqueceu e que o fez continuar a fazer aquilo que gosta, até aos dias de hoje. São dezenas de trabalhos e inúmeros espetáculos numa carreira de 20 anos, na música, como rapper.

O jovem estudou na Escola D. João II, em Setúbal, até ao 9.º ano e completou o secundário no IEFP, que terminou em 2013. É filho de mãe portuguesa e pai angolano e as grandes inspirações para os seus trabalhos são as próprias experiências e vivências. O trabalho mais recente é o álbum “Viagem”, com a próxima faixa, “Virei Cinza”, a ser lançada em dezembro. A New in Setúbal quis conhecer o trabalho deste artista de Setúbal e perceber como foi o processo deste último projeto.

Como é que surgiu o interesse pela música na sua vida?
O interesse pela música começou desde muito cedo, digamos que a música sempre acompanhou o meu crescimento. Aos 12 anos, já tinha ouvido cassetes de rap que o meu pai trazia para minha casa e simplesmente foi uma paixão à primeira vista. Sempre gostei de escrever e já fazia as minhas letras baseadas, primeiro, na minha vida e o que absorvia no meio em que vivia. Mais tarde, pensei que podia pegar nessas mesmas letras e cantá-las por cima de uma melodia, como costumava ouvir nessas cassetes de rap. Foi exatamente o que fiz.

Quando é que começou a sua carreira musical?
Iniciei a minha carreira musical em 2003, apenas com 13 anos, mostrando desde cedo o meu interesse pela cultura e a vontade de me expressar através da música. Inicialmente formei um grupo de hip-hop constituído por quatro elementos, o Mc Produções. Consegui, nessa altura, alcançar o primeiro lugar no concurso Bocage Rap, em 2005, organizado pela Câmara Municipal de Setúbal. O júri era composto também pelo Boss AC, um dos grandes nomes da música em Portugal. Algum tempo depois, em agosto de 2006, saí do grupo para seguir a minha carreira a solo.

E continuou a participar em concursos?
Sim. Ainda em 2006 participei num grande evento de hip-hop naquela época, em Coimbra, chamado “FlowFest Coimbra”. Em 2008, tive problemas pessoais e fiquei inativo por um extenso período de três anos. Regressei à música em 2011, com uma visão e narrativa mais profunda e bem mais maduro. Concorri com a faixa “Mafia Family” ao concurso Rock Rendez Worten, com um júri composto por Paula Homem, diretora geral da Arthouse, uma editora de novos talentos do grupo Valentim de Carvalho, e também por Nuno Calado, locutor da Antena 3 e comentador assíduo da SIC Radical. Passei na primeira fase e consegui conquistar a semifinal do concurso.

Seguiram-se outros espetáculos e novas canções?
2012 foi um ano de concertos e lançamentos de músicas novas. Em meados de 2013, parti para França, onde gravei as faixas que deram forma ao álbum ”O meu espaço”, e regressei a Portugal ainda no mesmo ano para lançá-lo. Entre os vários concertos que dei, como “Festa do Avante”, organizado pela Junta de Freguesia de S. Sebastião, ou a Feira de Sant’Iago, também atuei em 2014 num concerto na Amora, no Seixal, no Clube Roots, onde recebi um convite para participar em “Hibrido”, um álbum de Allen Halloween, lançado um ano após este pedido. Em 2015, participei, então, dessa forma, na faixa “O Último mundo”. “Haterz” foi outra grande faixa que marcou a minha carreira, em 2018, com a participação de Allen Halloween, em que retrata a desconfiança, traição e maldade do próprio ser humano, mas mostrando a nossa vontade de lutar contra isso e progredir na paz, protegido do mal e com foco nos objetivos.

O que é que significa a música para si? Onde vai buscar inspiração?
A música para mim é uma forma de transmitir sentimentos em forma de arte, seja para quem a faz ou para quem a consome. Estando nós sempre a aprender no nosso dia a dia e sendo bons observadores, não é difícil ganhar inspiração para retratar uma vivência ou experiência para um novo tema, pelo menos, para mim.

Como concilia a música com a sua vida?
Consigo conciliar muito bem a música com a minha vida. Praticamente 90 por cento dos meus tempos livres são dedicados à música. Digamos que é uma paixão que carrego comigo e faço questão de perder tempo com ela.

As músicas falam, assim, da sua própria vida. Em que projetos a tem inspirado até hoje?
Em 2003 fiz a minha primeira faixa de música com o nome da zona em que vivia, “Tetra XG”. A letra contava exatamente o estilo de vida vivida pelo pessoal daquele bairro, que é a Tetra. Nos anos de 2005 a 2007, lancei as minhas primeiras mixtapes, chamadas de “16 barras vol.1” e “16 barras vol.2”, em que cada faixa continha uma participação de um cantor de rap português diferente. Um projeto amador, mas com muito potencial em termos de sonoridade e letras contidas nele. Quatro anos depois, já em 2011, lancei a minha primeira EP chamada de “Promo Tape Vol.1”, constituída pelas cinco melhores faixas que considerava minhas, cantadas a solo e exclusivamente produzidas por mim. Ainda no mesmo ano, lancei o single “Mafia Family”, que foi até aos dias de hoje o som mais escutado e bem falado da minha carreira.

Já contava com um bom repertório naquela altura.
E não fiquei por ali. Nesse mesmo ano, em 2011, resolvi pegar em todas as faixas que já havia gravado e lancei a “Promo Tape Vol.2”, com um total de dois CD, 13 faixas por cada CD. Em 2012, juntei e fiz a remistura de dez faixas minhas, já antes lançadas, e dei vida ao meu álbum “Entrelinhas”. Em 2013, já com uma experiência maior em captação, mixagem e produção, lancei o álbum “O meu espaço”, composto por 17 faixas exclusivas. Além do projeto com o Allen Halloween, lancei, em 2018, mais duas faixas, “Essa é a dica” uma faixa cantada a solo e a que falei, “Haterz”, com o Allen. Em 2019, divulguei a faixa “São gangsters” cantada e produzida exclusivamente por mim. No ano de 2020, lancei mais três faixas de música — “Lembra”, “Na estrada” e “Firmão”. Já em 2022, lancei as faixas “Drillz” “Glock” e “Salvação”.

Quanto à sua primeira faixa, “Tetra XG”. Como foi crescer na Tetra?
A minha infância e adolescência nesse bairro, em geral foi boa, rodeado de pessoas boas e amigas. Foi lá que aprendi o significado de amizade, fiz as minhas primeiras brincadeiras e sei como é bom e importante termos pessoas que gostam de nós na nossa vida. Lá, toda a gente se conhece, o facto de sair à rua e ser contagiado com boas energias é algo que enriquece a alma. Atualmente, ainda existe essa alegria e compaixão uns pelos outros por aqui, mas em muito menos quantidade. Muita gente partiu à procura de uma vida melhor e a zona perdeu alguma “cor”.

E o último álbum foi o “Viagem”. Como foi o processo de criação?
Exato. Alguns anos depois, já em 2022, decidi começar a trabalhar no meu álbum “Viagem”. É composto por uma coleção de dez faixas. Em 2023, já lancei duas faixas extraídas do meu álbum, “Viagem” e também do “Salvação”. O processo foi fácil no que toca a letras e temas para as músicas em si. São assuntos que já tinha escrito com calma nos meses anteriores, portanto, quando decidi criar o álbum, já as tinha comigo, foi apenas acertar pormenores nelas. A parte mais trabalhosa e que demorou alguns meses foi a captação, mixagem e produção das mesmas. Eu queria que ficasse no ponto certo e para isso foi preciso regravar muitas vezes até que a voz e o timbre ficassem exatamente como eu queria, por cima de um instrumental adequado e que transmitisse o mesmo sentimento da própria letra. Ao todo foram quatro meses de trabalho intensivo neste álbum, dia após dia.

Quais é o tema do álbum e que músicas tem?
O álbum é composto num total de dez músicas, todas solo e sem participações. As faixas são “Cansado”, “Maníaco do Parque”, “Quando nada tinha”, “Salvação”, “Renascimento”, “Desabafos”, “Ponto de partida”, “Sê real”, “Viagem” e “Virei Cinza”. No geral, este álbum retrata o meu crescimento como ser humano, como os erros foram uma aprendizagem para mim, a minha forma atual de ver a vida e a vontade de querer ser melhor que o passado, caminhando em paz e vencer. Decidi escolher o nome viagem porque vou fazer os ouvintes viajarem em cada verso e melodia minha, tenho a certeza disso. O sentimento está bem presente em cada faixa do projeto, com certeza a viagem será agradável para os ouvidos e mente de quem vai conhecer este trabalho. A próxima música, “Virei Cinza”, vai sair dia 15 de dezembro, em todas as plataformas digitais, com YouTube, Spotify e Apple Music.

Que projetos tem para o futuro?
Quero terminar de lançar as restantes faixas do meu álbum “Viagem”, terminar dois videoclipes, que serão parte de duas faixas retiradas do álbum, e, claro, irei marcar espetáculos de apresentação do mesmo. Na altura certa, irei divulgar onde serão os concertos. Tenho ainda algumas faixas já preparadas para 2024, mas será uma surpresa, por enquanto. Quem quiser saber tudo, siga-me no Instagram e no Facebook. Está quase a sair a próxima música.

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