A música surgiu na vida de Jéssica Pina de uma forma muito espontânea. Nascida em Setúbal, de ascendência angolana e cabo-verdiana, entrou para a Sociedade Filarmónica Amizade Visconde de Alcácer, com apenas oito anos. Na altura, ingressou para ter um hobby “sem fazer ideia se tinha ou não potencial para a música”. Quando completou 18 anos, deixou Alcácer do Sal, cidade onde cresceu e passou a infância e adolescência, para realizar a licenciatura de trompete jazz.
A trompetista, de 29 anos, começou a estudar com o objetivo de aperfeiçoar a técnica e aprender mais sobre a área. Enquanto ainda terminava a licenciatura, “antes de ir para o mestrado, começaram a surgir alguns convites de trabalho, ou seja, de bandas que não tinham trompetista” e assim começou a dar os seus primeiros passos.
Já no seu mestrado em interpretação jazz, conciliava o trabalho com o estudo. A atual finalista do Festival da Canção, que se realiza este sábado, 8 de março, lançou “Essência”, o seu álbum de estreia em 2018, ano em que terminou a sua formação. O som do trompete predomina na maioria dos temas, ainda que existam leves apontamentos de voz.
Em 2019, no decorrer do seu trabalho e com alguns eventos marcados, surgiu uma oportunidade que mudou a sua vida. Através do cantor Dino D’Santiago, atuou para Madonna, numa das digressões que a cantora fazia para conhecer melhor a música local. A partir desse dia, foi obrigada a desmarcar concertos em eventos como o EDP Cool Jazz para ingressar na tour com a artista americana.
O canto ganhou espaço na sua vida, na sequência da digressão MADAME X worldtour da estrela internacional. Jéssica afirma que sempre gostou de cantar, porém, o trompete era algo que lhe ocupava demasiado tempo, não só físico, mas também mental, pois é um instrumento muito exigente.
“O que despoletou um bocado esta questão de eu começar a explorar a voz, acho que foi depois de ter estado lá (na tour), porque tivemos experiências locais e aulas únicas. A Madonna deu-me essa força de perceber que sair do conforto e fazer coisas novas, mesmo que não seja algo que estejamos mais à vontade, faz parte e faz-nos crescer de uma forma única.” Em 2021 apresentou-se como cantora com o seu EP, “Vento Novo”.
A partir daí, Jéssica não tem parado, estando presente em eventos famosos, fazendo uma digressão por Portugal e apresentações em Espanha. Acompanhou também Mykki Blanco e ainda o coletivo norte-americano Brooklyn Funk Essentials nas suas digressões europeias.
Leia a entrevista que Jéssica Pina deu à New in Setúbal a propósito da sua participação no Festival da Canção.
Quando é que surgiu o convite para participar no Festival da Canção?
Estava numa fase, que ainda estou, na verdade, de criar novas músicas. E este convite surgiu, então acabei por pôr um pouquinho da minha vida nessa fase da criação e de compor e de fazer as músicas novas para estar a 100 por cento no meu projeto.
Esta música “Calafrio” foi criada de propósito para o Festival da Canção?
Como estou nessa fase de criar músicas novas, tenho alguns temas que começo a fazer, deixo a meio e vou para outros. O processo criativo passa por aí e, muitas vezes, o que acontece é que acabo por tirar algumas coisas guardadas na gaveta, digamos assim. E esta música eu comecei a fazê-la e depois, quando surgiu o convite, achei que seria um tema bom para levar ao Festival da Canção e acabei por terminá-la, já sabendo que iria ser apresentada no concurso. Não queria levar nenhuma música com a qual não me identificasse. Quis levar a minha personalidade, a minha essência.
Qual é a mensagem que pretende transmitir com a sua composição?
O “Calafrio”, como o próprio nome indica, tem esta dualidade do calor e do frio, daí também ter escolhido esta designação para a música. É onde eu estou quase que a contar uma história de estar em cima de um palco e de viver esta experiência de ser artista, das incertezas que nós temos de nunca saber se vai correr bem, se vai correr mal, se vamos ser bem aceites, se não vamos ser, se vão estar pessoas no público, se não vão estar. E isto tudo misturado com a adrenalina e os nervos que nós estamos a sentir no momento. Ao mesmo tempo, é uma mensagem de empoderamento, porque está tudo certo em nós não termos um estilo musical definido. A minha música reflete exatamente estes diferentes estilos que eu tenho. É uma música com uma base mais africana, mais semba. E, também, para quem não viu a atuação, tem uma outra mensagem, para além da música e da letra, no palco estou eu e mais duas personalidades minhas, que estão simplesmente a refletir essa questão. No fundo, pode haver um dia que eu estou incrível e outro em que não estou tão bem. Acho que toda a gente consegue rever-se nisso, porque todos passamos por isto.
Como foi o processo de descoberta da performance que vai acompanhar a música?
Eu tive um sonho. Basicamente, estava a dar um concerto e eram várias pessoas. Acho que este sonho acabou por ser o meu inconsciente a falar, a dizer-me que eu não consigo e não posso fazer várias coisas ao mesmo tempo. Não posso cantar e tocar trompete. Não consigo fazer uma das coisas. Às vezes, tenho muita dificuldade em mostrar o meu conceito. Mas o meu conceito inclui-se em qual dos estilos? Às vezes, eu própria tenho dificuldade em identificar. Tenho essa dificuldade em escolher qual das coisas é que gosto de fazer. Então, quis exatamente, durante esta atuação, poder ser várias coisas ao mesmo tempo.
Jéssica termina a entrevista a revelar-nos que na final irá haver pequenas mudanças na performace. Ainda faz outra revelação, que este desafio foi o que a deixou mais nervosa até ao momento. E acrescenta que tem alguns concertos marcados para 2025 que irá anunciar posteriormente ao Festival.