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“Cidade Tóxica”: o crime ambiental que devastou uma geração e inspirou a nova série da Netflix

A nova minissérie da Netflix protagonizada por Aimee Lou Wood e Jodie Whittaker expõe um dos maiores crimes ambientais do Reino Unido.
Ninguém foi preso.

Ganância, mentiras, corrupção e um crime ambiental que deixou marcas irreparáveis numa geração inteira, onde dezenas de bebés nasceram com deformidades. Esta é a história real que inspirou “Cidade Tóxica”, a nova minissérie da Netflix, que estreou esta quinta-feira, 27 de fevereiro.

A produção tem quatro episódios, cada um com cerca de uma hora. Amy Lou Wood e Jodie Whittaker encarnam duas mães que lutaram por justiça para os filhos, que nasceram com malformações devido à gestão irresponsável de resíduos tóxicos por parte da autarquia inglesa.

O caso aconteceu a Corby, uma cidade industrial britânica construída em torno de uma siderurgia. Durante décadas, a indústria deu trabalho a milhares de pessoas e sustentou a economia local. Em 1980, a última grande fábrica fechou e 11 mil trabalhadores perderam o emprego. Mas a verdadeira tragédia começou veio depois: toneladas de resíduos tóxicos, arsénio e cádmio, foram deixadas ao abandono, armazenadas sem qualquer cuidado. Com o tempo, infiltraram-se no solo e contaminaram a água.

Na década de 1990, a autarquia lançou um projeto de descontaminação que, em vez de resolver o problema, o agravou. Sem seguir as normas de segurança, toneladas de lama tóxica foram transportadas de forma descuidada, espalhando poeira contaminada pela cidade. O vento fez o resto, levando as partículas para dentro de casas e escolas.

“Ninguém fazia ideia do que era aquilo”, recorda Tracy Taylor, uma das mães afetadas. “O ar queimava a garganta e o pó cobria tudo. Limpávamos a mesa e, minutos depois, já estava cheia de poeira outra vez. Ignorávamos porque não sabíamos que estávamos a respirar veneno”, contou ao “The Sun”. A sua filha nasceu com graves malformações internas e morreu pouco depois do parto.

Só muitos anos mais tarde é que as mães começaram a perceber a gravidade da situação. Os números falavam por si. Entre 1989 e 1998, 19 bebés nasceram com defeitos congénitos nos braços e pernas, um número alarmante para o tamanho da cidade.

Connor McIntyre, interpretado na série por Toby Eden, nasceu sem uma das mãos. A sua mãe, Susan McIntyre (Jodie Whittaker), começou a desconfiar quando percebeu que outras mulheres tinham passado pelo mesmo. “Passei muito tempo no hospital e vi outras mães com bebés que nasciam com os mesmos problemas. Achei estranho, mas ninguém dizia nada”, contou ao meio britânico.

Os relatos espalharam-se, mas a Câmara Municipal de Corby negou sempre qualquer ligação entre os resíduos tóxicos e os casos de malformação. A verdade só veio à tona quando documentos internos comprovaram que a autarquia sabia dos riscos, mas optou por ignorá-los para poupar tempo e dinheiro. Surgiram ainda denúncias de fraude relacionadas com as empresas contratadas para a descontaminação, mas ninguém foi responsabilizado.

Foi um jornalista, Graham Hind, do “Sunday Times”, quem expôs o escândalo em 1999. Foi até à casa de Susan McIntyre e disse-lhe, sem rodeios, que havia um padrão evidente de bebés com malformações em Corby e que poderia ser um problema ainda maior do que ela imaginava. “Ele disse-me que não estava sozinha”, recorda Susan.

A luta nos tribunais durou quase uma década. A autarquia fez de tudo para evitar ser responsabilizada, mas em 2009, as mães venceram. Pela primeira vez na história, um tribunal reconheceu que a poluição ambiental pode causar malformações congénitas.

O governo de Corby foi condenado por negligência e danos à saúde pública, tendo de pagar uma indemnização de 17,69 milhões de euros às famílias afetadas. No entanto, nenhum político ou funcionário foi responsabilizado criminalmente. “Ganhámos, mas ninguém pagou pelo que aconteceu. O dinheiro não muda nada”, lamenta Tracy Taylor.

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