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Atriz pode perder a nomeação aos Óscares. Grita-se “vergonha”

Andrea Risenborough e o seu "To Leslie" passaram despercebidos pelas salas de cinema e pelas galas, mas ela acabou nomeada para Melhor Atriz.
Andrea Riseborough.

Andrea Riseborough surgiu de rompante e de forma surpreendente na lista de nomeados para os Óscares que, por esta altura e ao fim de várias galas prévias, costuma ter já uma mão cheia de candidatos pré-definidos. A atriz britânica, sem fazer grande alarido, acabou por fazer parte da lista de nomeadas para o galardão de Melhor Atriz, ao lado de nomes como Cate Blanchett, Michelle Williams, Ana de Armas e Michelle Yeoh.

A surpresa foi tanta que despertou a atenção da organização. Como é que a protagonista de um filme que passou por debaixo do radar, sem conquistar grandes nomeações e prémios, chega até esta fase e arranca uma nomeação inédita?

A decisão surpreendente — vale a pena recordar que são outros atores e atrizes da Academia que votam nos nomeados e nos vencedores — levou a que a organização fosse inundada com mensagens de protesto. Também por isso, a entidade que regula os Óscares da Academia anunciou que iria analisar o tema e a nomeação na reunião desta terça-feira, 31 de janeiro.

Segundo os próprios, o objetivo passa por garantir que a competição “é conduzida de forma justa e ética”, garantindo que “nenhumas regras foram violadas” ou mesmo se “as regras vigentes necessitam de ser atualizadas perante a nova era das redes sociais”.

Por detrás da polémica estarão diversas publicações com origem nas contas oficiais do filme de Risenborough, “To Leslie”, e na de outros atores e atrizes. A conta que promovia o filme onde Risenborough brilha terá partilhado uma citação do crítico Richard Roeper, que elogiava a inglesa e a comparava a Cate Blanchett, outro dos nomes falados para integrar o leque de nomeadas. “Por muito que admire o trabalho de Blanchett em ‘Tár’, a minha performance favorita de uma mulher este ano foi servida pela camaleónica Andrea Risenborough.”

Segundo as regras da Academia, as campanhas públicas e oficiais dos filmes potencialmente nomeados, bem como de quaisquer pessoa associada, devem abster-se de “falar de forma negativa ou depreciativa sobre filmes competidores”. Fala-se também em potenciais penas de suspensão para quem ouse apontar o dedo aos competidores.

A verdade é que outros atores vieram a público elogiar a performance de Risenborough. Entre essas pessoas está precisamente Cate Blanchett, atriz nomeada na mesma categoria, que aproveitou o discurso de aceitação do prémio no Critics’ Choice Awards para deixar uma palavra de apreço à britânica.

O lobby é proibido pela Academia. Os estúdios e as produtoras podem, naturalmente, promover o seu filme de uma forma positiva — sem nomear ou criticar concorrentes —, mas não podem promovê-lo diretamente junto dos membros da Academia. E é aqui que o caso também se torna caricato.

É que de todos os filmes em competição, “To Leslie” é de longe o mais modesto. O projeto que passou maioritariamente despercebido arrecadou pouco mais de 27 mil euros em bilheteira. Isto apesar de, na senda da nomeação, ter voltado aos cinemas para angariar mais de 250 mil euros, agora com toda a força dos Óscares a puxar espectadores para as salas de cinema.

O anúncio de análise da situação por parte da Academia fez surgir receios de que a nomeação pudesse, eventualmente, ser retirada. “Parece-me hilariante que a ‘nomeação surpreendente’ (o que significa que não foram gastos milhões para posicionar a atriz) de uma legitimamente brilhante performance está a ter como resposta uma investigação”, atirou Christina Ricci, uma das atrizes que veio manifestar-se contra a decisão. “Só os filmes e atores que podem financiar campanhas é que merecem reconhecimento? Parece-me elitista e, francamente, retrógrado. Se [a nomeação] for retirada, será uma vergonha.”

Perante o historial, Risenborough não terá muito com que se preocupar. Em anos recentes, só por três ocasiões é que nomeações foram retiradas, todas elas em categorias menos populares.

Entretanto, outra polémica borbulha nos meandros de Hollyood. Perante (mais uma) categoria repleta de atrizes brancas, foram várias as vozes que reclamaram “injustiça” ao ver que no lote não constava o nome de Viola Davis, pelo seu papel em “The Woman King”, ou o de Danielle Deadwyler, pelo seu papel em “Till”. “Misoginia desavergonhada e direcionada às mulheres negras”, atirou o realizador deste último filme, Chinonye Chukwu.

Enquanto a decisão não é revelada, Risenborough continua no seu trajeto peculiar e com todas as aspirações rumo à gala que tem data marcada para 13 de março. Na verdade, a atriz de 41 anos é tudo menos uma desconhecida, apesar da pouca notoriedade do seu “To Leslie”, onde interpreta uma mãe solteira que ganha a lotaria e esbanja todo o dinheiro — uma história inspirada em factos verídicos.

O adjetivo de “camaleónica” dado por Richard Roeper torna-se mais adequado à medida que se percorre o currículo de Risenborough, uma daquelas caras que parece ter estado em todo o lado. Além de fazer parte do elenco do recente “Amesterdão” de David O. Russell, passou também por “Black Mirror” — protagonista de “Crocodile” — ou por “Animais Noturnos”, de Tom Ford.

No final de 2022, o jornal britânico “The Guardian” descrevia-a como uma das “mais prolíficas atrizes” no ramo, com mais de dois a três filmes por ano. E mesmo o estatuto de desconhecida parece não chocar a própria, que curiosamente já passou pelo elenco de um filme com quatro estatuetas dos Óscares, “Birdman”. Nesse ano de 2014, Risenborough haveria de tomar a decisão de se afastar de Hollywood.

“Simplesmente parei”, revela, apontando para as complexidades técnicas exigidas para dar a ideia de que o filme tinha apenas um longo take. “Precisava de retirar de mim todo o sistema do estúdios. Não me sentia saciada, por uma série de razões (…) tinha perdido a paixão pelo que fazia. Pensas que vais andar a falar sobre Tchekov e dás por ti a falar de coisas sobre as quais não tens o mínimo interesse, tudo para tentares vender um produto”, diz. “Sentes que és apenas uma pequena peça numa vasta engrenagem.”

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