Foi no final de novembro que April Ivy regressou com música nova ao apresentar o single “Broken Apologies”. O tema teve um impacto imediato junto dos fãs, que inundaram a cantora de 22 anos de mensagens de apoio, a explicar que se tinham identificado com a canção.
O tema foi composto em cinco minutos numa tarde no final do verão de 2021. Aliás, nessa mesma tarde, em casa, April Ivy criou todas as músicas que vão formar o EP que vai lançar algures no início deste ano. É um disco conceptual, profundamente inspirado pelas suas experiências pessoais e pelo fim da sua relação amorosa.
Além disso, enquanto a indústria dos espetáculos ao vivo continua longe da normalidade, April Ivy tem aproveitado para trabalhar em estúdio com inúmeros compositores, produtores e intérpretes, tanto em Portugal como no Reino Unido e nos EUA.
Algumas semanas após o lançamento do single, a NiT entrevistou April Ivy sobre o disco de “heartbreak songs” que aí vem.
Como é que criou “Broken Apologies” e porque é que o quis lançar há pouco mais de um mês?
Escrevi este single em cinco minutos no meu quarto, no final do verão, e esperei alguns meses para o lançar, até que o meu coração estivesse bem e que me sentisse bem e confiante para pôr este projeto cá fora. Esta é a primeira música de um conjunto que aí vem. E decidi lançá-la mais tarde para quando me sentisse preparada e quando estivesse tudo exatamente como idealizava.
Precisava de algum distanciamento em relação à fase em que escreveu a música?
Nem diria distanciamento. Queria ter a música feita, acrescentei a Orquestra da Casa da Música à canção, e apesar de a ter composto no quarto fui produzi-la ao Porto com o meu produtor, o Reis, que fez um trabalho incrível a elevá-la para outro patamar, pondo-a como eu sonhava.
Obviamente trata-se de uma canção pessoal e íntima. Foi fácil abrir-se desta forma ao mundo?
Sempre o fiz. Só acho é que, como há certos assuntos que as pessoas consideram mais controversos ou que despertam mais interesse, se calhar prestaram mais atenção a esta letra e a este tema em específico.
Mas para si é uma continuação daquilo que já fazia na música, que é traduzir aquilo que sente.
Sim, e como os temas passados são mais animados e têm outra carga emocional, as pessoas se calhar distanciam-nas um bocadinho mais de mim. Mas a verdade é que sempre compus tudo o que lancei e todas as minhas canções falam de experiências minhas. São todas baseadas nos meus sentimentos e são todas especiais à sua maneira.
Obviamente, todos os sentimentos são válidos para apresentar numa música, e não faltam exemplos disso por todo o mundo. Sente que abordar um sentimento mais triste e melancólico foi uma boa experiência enquanto artista?
Sei que pode ser controverso o que estou a dizer, mas o “Be OK” — a primeira música que lancei e que é mais animada — já abordava um tema um bocadinho mais sensível para mim. Por isso não é a primeira vez que o faço. É, sim, a primeira vez que o faço e mantenho a canção no seu registo original. Porque já componho tudo à guitarra e de forma mais despida. Só que depois levo as canções a estúdio e transformo-as num pop dance — ou algo diferente. E nesta achei que fazia sentido deixá-la assim mais despida.
Começou a pensar logo nos arranjos e na orquestra, ou foi um trabalho que foi fazendo com o produtor Reis, como estava a dizer?
Foi um trabalho com o Reis, sim. Levei para estúdio um conjunto de músicas que compus no meu quarto. E depois, com o Reis, demos vida a cada faixa. E achámos que o que fazia mais sentido para esta, para elevá-la para outra sonoridade e outro nível emocional, era juntar uma orquestra e tirá-la um bocadinho do acústico.
Foi o processo de perceberem por onde a música podia ir.
Exatamente. E também gosto de compor com outros artistas, mas as minhas músicas mais honestas são sempre escritas por mim quando estou sozinha. Mas depois gosto de ouvir outras visões, especialmente de pessoas em que confio muito — e o Reis é uma delas.
Mas o facto de sozinha criar as músicas mais honestas tem a ver com estar mesmo a sós, apenas com uma guitarra e uma folha em branco, é isso?
Sim, e tem muito a ver com o facto de ser de uma forma espontânea. Tanto o “Broken Apologies” como as próximas músicas que aí virão, escrevi-as de uma forma tipo “vou agora ao quarto pegar na guitarra”. Saiu-me naturalmente. Claro que o facto de estar sozinha me permite expor-me de outra forma. Mas não diria que só o conseguisse fazer se estivesse sozinha. Acho que é mesmo por ter sido espontâneo.
As próximas músicas, em conjunto com esta, vão formar um disco?
Posso dizer que a “Broken Apologies” é a primeira música de um projeto que aí virá. É a primeira de um EP que vai sair no início de 2022, ainda não posso revelar o nome e é um EP todo neste registo.
Em termos temáticos, sonoros?
Tudo. Neste EP decidi que vou deixar as canções de uma forma mais despida, é um trabalho mais acústico. Tanto a nível temático como de instrumentos, é tudo no mesmo segmento. Só uma das canções é que foi escrita com outra compositora, mas só a irei revelar mais à frente.
O primeiro álbum que lançou, em 2019, talvez tenha sido mais uma compilação de singles. Ou pelo menos talvez não tenha tido uma linha tão definida como este, por aquilo que está a contar. Sente isso?
Sim, sem dúvida alguma. O “Game of Love” foi uma compilação de vários singles, e claro que também incluiu músicas que ainda não tinham saído, mas a nível artístico não sinto que tenha sido o meu primeiro álbum, se isto fizer sentido. Porque efetivamente não foi uma coisa que fui para estúdio fazer tudo na mesma altura. Fui fazendo os singles, foram saindo. Já este EP foi todo feito na mesma altura, vai seguir a mesma linha sonora e acho que vai ser o primeiro projeto com fio condutor que vou lançar.
Ainda que não tenha sido programado, sempre teve vontade de fazer um disco baseado num estado de espírito específico?
Honestamente, já estava a preparar — noutro estado de espírito — bastantes músicas para lançar. Já estou com um portefólio por lançar bastante vasto [risos]. Agora, sou muito apologista de, especialmente para artistas que compõem as próprias canções — e não só —, acho que o nosso público vai sempre identificar-se com o que é a verdade e com o que eles se identificam. E acho que qualquer pessoa consegue perceber quando uma música vem do coração, seja ela feliz ou triste. Tenho tido um feedback espetacular e confesso que inesperado com esta canção, porque se calhar é a primeira vez que o meu público me ouve e ouve a minha letra com atenção e se identificam bastante com este estado de espírito. Também há muitos artistas neste momento, como a Adele ou o Shawn Mendes, a lançar heartbreak songs [risos]… Já tinha escrito músicas com este sentimento antes. Mas agora fez-me sentido.
Enquanto consumidora de música e também compositora, sempre gostou desse registo noutros artistas?
Pegando no caso da Adele, quem é que nunca cantou o “Someone Like You” a olhar para a janela enquanto está a chover e a sentir um desgosto que não está a passar? Claro que sim. E eu própria já tinha composto músicas, tanto para mim como para outros artistas, neste registo. Agora, também pela naturalidade e fluidez com que compus este EP, fez-me sentido e efetivamente considero que são as melhores canções que já escrevi.
Isso tem a ver com a experiência que vai adquirindo, mas também com aquilo que canalizou para as músicas?
Acho que é um bocadinho de tudo. Claro que vou ganhando experiência, ao trabalhar com produtores e compositores. Tenho estado a trabalhar cá e em Londres e cada vez que trabalho com uma pessoa vou percebendo estilos de composição, maneiras diferentes de abordar assuntos. Mas quando o sentimento é verdadeiro… escrevi o “Be OK” com 15 anos, mas na altura era o que estava a passar. Quando a música sai do coração e é verdadeira, é isso que faz com que as pessoas se identifiquem. E na altura era eu com uma guitarrinha no meu quarto e estes anos depois volto a ser eu com uma guitarra no quarto [risos].
E nunca teve o instinto de não se querer expor demasiado?
Isto é tudo um processo [risos]. Escrevi-as e depois pensei: nunca mais vou ouvir isto na minha vida. Está escrito, agora vou enterrar. São fases. Mas quando acabei de compôr, gravei áudios e enviei logo para a minha equipa. E o meu manager disse: não sei se tens noção, mas isto é a melhor canção que já escreveste. Só que, no momento, quando componho, não penso: isto vai ser um êxito, isto vai ser um single. Simplesmente escrevo o que me vai na alma e claro que este EP até correu bem, porque me vão ficar todas as que fiz nessa tarde, mas a quantidade de músicas que não vou usar para nada… Tenho centenas escritas e não as vou lançar.
Mas as músicas do EP foram todas criadas numa única tarde?
Sim, todas de seguida, e foi relativamente rápido. Quando digo que o “Broken Apologies” foi escrito em cinco minutos, não estou a exagerar. É mesmo literal. Depois vieram as outras.
Mas não foi pacífica e imediata a decisão de querer lançar estas músicas. Como foi esse processo?
Acho que todos os artistas, quando abordam temas mais pessoais ou sensíveis, têm sempre aquele nervoso miudinho. Porque, a partir do momento em que se lança uma canção, deixa de ser nossa e passa a ser do público. E digo isto também quando as pessoas me perguntam significados de frases. Sinto que é injusto, a partir do momento em que lanço uma canção, estar a pôr a minha visão e experiências pessoais na música. Porque a partir do momento em que deixa de ser só minha, cada pessoa leva-a para a forma que entende e para a sua experiência pessoal. Por isso, claro que com este “Broken Apologies” estava com os nervos à flor da pele antes de lançar a música. Compus a canção no final do verão e só a lancei agora no final do ano. E depois de a minha equipa me dizer: deixa de ser parva, isto é das melhores canções que já escreveste.
Depois de lançar o single, também houve um certo alívio, por ter sido bem recebido?
Sim, fiquei muito emocionada ao ler as mensagens que recebi. Na noite do lançamento, assim que a música saiu no Spotify, comecei a receber… e digo isto em estado de choque porque nunca me tinha acontecido ter um feedback tão imediato e impactante a nível de mensagens no Instagram. A quantidade de mensagens que recebi de pessoas a contarem-me as suas histórias… e quando digo contar não é apenas com uma frase, é com um testamento a explicar porque é que se identificam com a canção, porque é que lhes disse tanto. Estive duas horas em lágrimas, a chorar baba e ranho, a ler as mensagens. Como perceberam que me abri, sentiram que podiam confiar em mim também para se abrirem comigo. Eu estava a tentar responder ao máximo de mensagens, numa onda de emoções… Foi um choque no melhor sentido da palavra. Perceber que uma canção que me diz tanto também diz tanto a outras pessoas e está a ajudar efetivamente outras pessoas… Para mim faz tudo valer a pena. E faz-me tirar todas as dúvidas e preocupações de me expor assim. Porque sinto que a música cumpriu o seu propósito.
Em relação ao EP, cada música vai ajudar a contar uma história? São simplesmente reflexo do mesmo sentimento? São complementares? Como descreveria o projeto?
Considero que o EP é uma história. Eu ia chamar-lhe “Letter”. Porque é uma história, um desabafo. Tem um fio condutor. Agora foi a Adele que conseguiu com que o Spotify tirasse a opção de shuffle nos álbuns — e acho muito bem porque os trabalhos são pensados para uma ordem específica para a história fazer sentido. E este EP tem esse seguimento.
Mencionou outra vez a Adele. Identificou-se com este álbum que a cantora lançou recentemente, “30”?
Sim, muito, adoro a Adele. É uma das minhas referências, acompanho o trabalho dela há muitos anos e gosto mesmo muito dela. Mas se a Adele lançasse este álbum no meio do verão, quando eu estava em concertos ou a curtir a vida, eu ia chorar na mesma [risos]. Até podia ter lançado isto na altura em que estava a sentir o oposto do que ela está a transmitir. Mas, sim, é óbvio que parece que veio ajudar e que há muitas pessoas neste momento a sentir estas emoções por que estamos as duas a passar.
Deu-lhe força para acreditar no EP que estava a preparar?
Já tenho o EP pronto há muitos meses. Por isso, simplesmente pensei “olha, que fixe, ela também está com este registo agora”. Esta altura do inverno também pede um bocadinho mais músicas tristes. Dias de chuva, olhar assim pela janela [risos]. Acho que o facto de o álbum dela ter saído não teve qualquer tipo de peso no meu, porque o meu já estava feito. Mas óbvio que pensei que era bom haver mais artistas a lançar coisas neste registo.
Há bocado falava das várias músicas que tem compostas e que nunca chegaram a sair, por terem perdido alguma relevância face às outras canções que entretanto compôs. Esses temas poderão ser lançados eventualmente?
Sim, eventualmente hei-de lançá-las e são muitas, tenho mesmo muita coisa pronta. Mas também sou muito perfecionista em relação ao meu trabalho. Por vezes recebo mensagens a dizer “Estás a demorar tanto tempo a lançar” ou “Estás desaparecida”. E não é por falta de trabalho. Simplesmente é por trabalhar e pensar: isto ainda não está lá, ainda não é o que quero fazer. E acho que a nível artístico é muito aquela coisa de tentativa e erro até saber o que quero ser e transmitir aos meus fãs. Acho isso muito importante. E acho que só agora estou a olhar para isto desta forma. Na altura do “Game of Love” não dava tanta importância a haver um conceito nos meus trabalhos.