A primeira lembrança relacionada com o teatro leva-a numa viagem no tempo até à infância. Joana Lameira, setubalense, 23 anos, recorda-se que a primeira vez que entrou num teatro foi com a sua mãe para assistir à peça do “Principezinho”, de Filipe La Feria. Como foi um amor que nasceu consigo, recorda-se também que se emocionou.
Esta jovem ganhou, em julho, o prémio de “Melhor Atriz Adulto”, no Festival Internacional de Teatro da Cidade dos Anjos, no Brasil. Participou enquanto coletivo, com a produção “25 Fragmentos”, do Novo Núcleo Teatro da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, instituição onde estuda atualmente. Na sua página de Instagram, pode também ir acompanhando todo o percurso de Joana.
O mundo das artes e do espetáculo sempre esteve presente na vida desta setubalense e a New in Setúbal foi perceber como nasceu esta ligação e como foi toda a experiência que lhe valeu uma conquista internacional.
Como surgiu o teatro e a arte em geral na sua vida?
Desde pequena que sou apaixonada por arte no geral, desde artes visuais a performativas, tanto que isto se reflete bastante na minha vida. Comecei a cantar com cerca de 12 anos nas festas da escola e a partir daí comecei a ver o mundo da arte com outros olhos. Continuei a cantar, a aprender guitarra, ukelele e a fazer parte de concertos de música ao vivo, até que em 2018 ganhei em Setúbal o concurso “Escolas com Talento” onde apresentei um número de teatro musical.
Existiu algum momento, ou alguém, que lhe despertou esse bichinho?
O gosto pelo teatro deve-se à minha participação no Arts Summer School pertencente à Lisbon Film Orchestra e ao maestro Nuno Sá que me incentivou. Foi com a minha entrada na faculdade que as coisas mudaram. A música foi deixada um pouco para trás e o teatro ganhou terreno na minha vida devido à minha entrada no Novo Núcleo Teatro (NNT) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (FCT-UNL) o qual frequento até hoje.
Fala como se a arte tivesse envolvência no que faz e até em quem é.
Sim, é verdade, tal como disse anteriormente, a arte no geral sempre influenciou a minha vida. E foi na FCT-UNL que entrei na Licenciatura em Conservação e Restauro e atualmente estou a terminar o mestrado na mesma área. É nesta área que me aplico profissionalmente, porém sempre conjugado com o teatro. Foi no NNT que recebi formação em teatro com a Sandra Hung, fundadora e encenadora, e no qual vivo experiências inesquecíveis, tanto a nível pessoal como profissional. O NNT tem um lugar muito especial no meu coração, porque mudou por completo a minha experiência na faculdade e foi onde conheci as pessoas que hoje são os meus melhores amigos.
Guarda algum momento marcante na sua vida que venha sempre à lembrança?
A minha mãe sempre nos incentivou (a mim e à minha irmã) a dar valor à cultura. Desde pequena, talvez com uns cinco anos, que me lembro da minha mãe me levar a locais como museus, exposições, e talvez daí venha a minha paixão por Conservação e Restauro, mas também sempre nos incentivou a apoiar cinema e teatro. Lembro-me especificamente da primeira vez que entrei num teatro, foi no Teatro Politeama e fomos ver o “Principezinho” do Filipe La Feria, lembro-me de entrar, olhar em meu redor e começar a chorar por estar num “teatro a sério”.
Qual foi o seu primeiro espetáculo?
O meu primeiro espetáculo de teatro enquanto atriz foi com 17 anos, porém considero que o meu primeiro espetáculo em moldes profissionais foi com 19 anos. Chamava-se “Sopinhas de Mel” e foi uma encenação da Sandra Hung. Lembro-me de estar completamente aterrorizada e achar que não conseguiria atuar naquele dia, mas mal começou rapidamente percebi que nunca mais ia deixar de fazer teatro, foi das melhores sensações de sempre.
Tem algum “ritual” antes de entrar em palco?
Não considero propriamente um ritual, mas a verdade é que faço sempre isto: aqueço a voz, revejo as minhas posições em palco e repito muitas vezes para mim mesma “Tu consegues” para me acalmar.
Como é que surgiu a oportunidade de ir para o Brasil?
Este ano, o NNT decidiu candidatar-se a festivais fora do País pelo que se candidatou a este festival no Brasil — Festival Internacional de Teatro da Cidade dos Anjos —, e no meio de muitos candidatos foi aceite com a produção “25 Fragmentos”. Escusado será dizer que foi uma festa quando soubemos da novidade.
Como se sentiu nesse momento?
Esta edição de 2023 do Festival Internacional de Teatro da Cidade dos Anjos, em Santo Ângelo no Brasil, teve a concurso grupos de diferentes países e o NNT foi um dos selecionados. Claro que não nos podemos esquecer que após a seleção ainda tínhamos à nossa frente um longo caminho a percorrer, porque o Brasil fica a 10 horas de Portugal de avião e a viagem não é nada barata. Mal soubemos da seleção começámos a fazer de tudo para angariar dinheiro, desde vender bolos, rifas, um GOFUNDME online… de tudo, até porque este era um dos sonhos do grupo para o qual trabalhámos muito. Até que por fim, o diretor da FCT-UNL, o Professor Doutor José Júlio Alferes, conjuntamente com a faculdade deu-nos a notícia que nos iriam ajudar na nossa deslocação até ao Brasil, e assim foi, lá fomos nós. Ganhar é sempre o resultado mais esperado, mas independentemente de tudo, vamos para dar sempre o nosso melhor.
Correu tudo como esperava?
A viagem foi maravilhosa e as pessoas lá foram igualmente incríveis. Foi a minha primeira vez fora da Europa e também a primeira vez a andar de avião depois de dez anos, então digamos que foi bastante assustador fazer uma viagem tão grande, mas no fim tudo correu muito bem. Uma das principais coisas que me deixou mais entusiasmada era pelo contacto que iria ter com outras culturas e, também representar Portugal e Setúbal, uma vez que se encontravam grupos vindos de todas as partes do Brasil, Argentina, Peru e da Colômbia. Representar o nosso País no estrangeiro foi uma experiência arrebatadora, mesmo quando já estava com os pés assentes no Brasil parecia ainda irreal tudo o que estava a acontecer.
Concorreu com um coletivo, correto? Ainda que o prémio fosse individual.
Concorremos enquanto coletivo, sim. A produção teatral “25 Fragmentos” é uma produção do NNT, e como mencionado anteriormente, encenada pela Sandra Hung. Esta produção conta com apenas quatro atores em palco: Beatriz Nunes, Matilde Abreu, Pedro Tavares e eu. É uma colagem da Sandra com base no texto das “Três Irmãs” do Anton Tchekhov, um clássico apresentado numa visão inovadora.
Essa produção teatral também foi premiada anteriormente. Foi também por isso que escolheram?
A produção “25 Fragmentos” foi premiada o ano passado [2022] com o primeiro lugar no Festival Anual de Teatro Académico de Lisboa. Apesar de ter sido uma produção premiada, não foi esse o motivo pelo qual foi escolhida. É uma peça muito exigente, metódica e ao mesmo tempo caótica sem nunca perder uma visão geométrica e de organização, e por ser um trabalho que nos orgulha, selecionámo-la.
Qual foi a sensação de receber o prémio de melhor atriz?
Muito sinceramente eu não estava nada à espera, então quando ouvi o meu nome parecia que o meu coração me ia sair pela boca de tão rápido que estava a bater. Acabei por me emocionar.
E a equipa recebeu também um prémio para a encenadora…
Sim, a encenação foi também premiada. A Sandra é simplesmente incrível, em todas as produções realizadas por ela em que eu tenha participado não há uma que eu não me tenha apaixonado pelo trabalho, cada um à sua maneira são muito especiais. O trabalho dela é inovador e rigoroso (ou geométrico como ela costuma nomear) para que todos os detalhes façam sentido (ou às vezes, o inverso) em conjuntos bastante compostos. Todo o empenho que a Sandra coloca nas coisas está à vista, tanto que acabou por encantar os júris. É impossível ficar indiferente ao trabalho dela.
O que fez depois de todas as emoções?
Depois de tanta emoção fomos apanhar o voo para São Paulo, que era a nossa escala, acabámos por ir jantar fora, mas estávamos tão cansados das emoções daquele dia que quase adormecíamos à mesa.
O que traz desta experiência?
Trago muitas memórias boas, tanto do Brasil, quanto do festival, pessoas incríveis e o vivenciar de um país diferente do nosso. É de salientar que foram tão acolhedores connosco que não me importava de ficar lá mais tempo.
É duro trabalhar nesta profissão?
Devido ao teatro não ser a minha única ocupação, considero-me privilegiada por ter forma de conseguir rendimentos por outros meios, porque ser atriz ou artista em Portugal é muito complicado para quem viva unicamente disso, o que eu admiro muito a coragem de quem o consegue. Para mim, neste momento o mais complicado é conciliar tudo, e conseguir chegar a todo o lado, porque acabar a minha tese, trabalhar full time e ainda fazer teatro não é tarefa fácil.
Tem alguma inspiração?
A minha maior inspiração são as pessoas que me rodeiam e trabalham comigo todos os dias, elas que me dão ralhetes quando necessário, mas que também me elogiam. Elas que me fazem crescer são a minha verdadeira inspiração.
Depois destas conquistas, o que espera a seguir?
Depois disto, espero que o futuro seja recheado de mais teatro.