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A história da setubalense que pinta obras incríveis de expressionismo abstrato

Ângela Miranda Penedo começou a pintar em miúda, já correu o mundo em missões humanitárias e agora tem um estúdio.
A artista tem 37 anos. Foto: Cláudia Diragram.

Ângela Miranda Penedo ou simplesmente Ângela, como gosta de ser tratada, começou a pintar quando ainda era miúda. “Certo dia, vim da escola e disse à minha mãe que queria começar a pintar. Então, ela levou-me à famosa Papelaria Fernandes e comprou-me todos os materiais necessários”, conta à New in Setúbal, a setubalense, de 37 anos.

No entanto, Ângela confessa que uma das primeiras pessoas, que mais a incentivou a aventurar-se no mundo das artes foi a sua irmã Joana. “O primeiro quadro que pintei foi para ela. Depois de uma saída à noite, deixei-o na cama dela como presente. Tinha cerca de 16 anos. Foi um trabalho completamente abstrato e ela adorou”, recorda.

Anos mais tarde, a pintora foi trabalhar nas férias de verão para o bar MXL, em Setúbal. “Os meus colegas de trabalho, no dia do meu aniversário, ofereceram-me uma tela de três metros de comprimento por dois de largura. Assim que cheguei a casa, disse aos meus pais para me cederam a sala, porque precisava de pintar. Apesar de ter sujado tudo, eles não se importaram e deixaram-me fazê-lo”, explica.

Com o objetivo de aprender mais sobre pintura, Ângela foi tirar um curso na escola Arte Ilimitada, em Lisboa. Esteve lá um ano, mas o que queria realmente era viajar e ver o mundo. Por isso, aos 22 anos, decidiu ir para Barcelona para viver outras aventuras.

Morou no bairro Gótico de 2007 até 2010. Foi com o objetivo de tirar um curso de Teatro para fazer missões humanitárias e aprender outra língua, porém, a setubalense confessa que a vida em Barcelona foi “dura”, já que estudava e trabalhava ao mesmo tempo.

“Trabalhei na gelataria Sweet Gofre mesmo na zona de Las Ramblas. Das cinco da manhã às 9 horas fazia as decorações dos gelados e depois estava a atender ao público o resto do dia. Além disso, servi pequenos-almoços no Hotel Continental e trabalhei na McDonald’s. Como o curso era muito prático, acabei por despedir-me porque era muito cansativo conciliar tudo”, confessa.

Como vinha poucas vezes a Portugal, Ângela decidiu voltar em 2010 e aproveitar o tempo com a família e os amigos. Foi nessa altura que conheceu seu marido, João Penedo, que considera “o grande amor da sua vida” e também das pessoas que mais a apoia na pintura.

Como acontece com quase todas as histórias de amor, Ângela e João andaram no mesmo liceu, mais precisamente na Escola Secundária de Bocage em Setúbal. Apesar de terem amigos em comum, não eram próximos e nunca mais se tinham cruzado. O reencontro aconteceu de forma espontânea e ao estilo de uma comédia romântica.

“Quando estava a andar de carro com a minha irmã tivemos um problema. Ficámos paradas no meio da estrada à espera de ajuda e, do nada, o João aparece a perguntar se precisávamos de alguma coisa. A partir desse dia, comecei a vê-lo todos os dias em várias zonas da cidade”, refere.

Apesar de estar mais tempo em casa com a família e amigos, Ângela sentiu uma grande diferença entre a vida em Portugal e aquela que tinha levado em Barcelona, que era muito mais frenética  e estimulante.

“Por causa da mudança do ritmo de vida, senti-me bastante em baixo psicologicamente e falei com a minha melhor amiga sobre isso. Ela aconselhou-me a pedir ajuda de um profissional e ir falar com o João porque ele era psicólogo clínico”.

E assim foi. Ângela marcou uma consulta com João. A sessão, que deveria ter durado uma hora, demorou quase cinco. “Estivemos imenso tempo a conversar e acho que me apaixonei no primeiro instante. Senti mesmo que ele era o homem da minha vida”, revela.

Depois disso, a pintora ligou no dia seguinte para saber se poderiam ter outro encontro. “Ela ia para a neve com os amigos durante 15 dias, mas depois quando voltou começámos a namorar porque também estava apaixonado por mim”, sublinha.

O passo seguinte foi um pedido de casamento especial num monte alentejano. Pouco depois, veio o casamento numa quinta em Azeitão. A seguir, o casal partiu à aventura num mochilão durante nove meses na América Latina a fazer voluntariado com jovens e adolescentes, nas áreas de Teatro e Psicologia.

“Fui para o Orfanato Amantani no Peru e, assim que cheguei lá, notei que os miúdos eram muito frios e de poucos afetos. Às vezes, eles não apareciam nas aulas de teatro e lembro-me que uma vez quando estávamos a preparar uma adaptação da peça ‘Romeu e Julieta’, os deixei sozinhos na sala de ensaios para eles perceberam que estava ali para ajudá-los”, lembra.

Esta aventura durou quatro meses, com João e Ângela a viver num colchão de ginástica e com uma casa de banho na rua. Depois seguiu-se o Brasil. Nesta missão, a casa dos voluntários da instituição era no cimo de uma montanha e era preciso percorrer 18 quilómetros no meio da selva para chegar à casa dos miúdos.  

Ângela com a coleção das Marias. Foto: Cláudia Diragram.

Estávamos em 2014 quando João recebeu uma proposta de trabalho para Budapeste e Ângela foi com ele. “Além de ser uma região com um clima muito frio, as pessoas não falam inglês e senti-me muito sozinha. Nessa altura comecei a pintar e foi em Budapeste que nasceu a minha coleção das Marias”, afirma.

Depois, a artista foi sozinha para o Peru mais três meses, onde conheceu a sua amiga Maria Boix da Catalunha. Ainda voltou a Budapeste e passou pela Arábia Saudita. Numa conversa com Maria Boix, decidiu voltar a uma missão humanitária.

“Tirámos à sorte e calhou o Nepal. Comprámos a viagem para ir em junho e, em abril de 2015, deu-se o terramoto no Nepal. Nessa altura achámos que ainda faria mais sentido ir e ficámos lá nove meses a construir uma vila com 22 casas juntamente com os voluntários portugueses Lourenço Macedo Santos e Pedro Queirós”, diz.

A seguir ao Nepal esteve na Grécia. “Éramos três equipas e resgatávamos os refugiados do mar. Havia um turno que ficava na montanha, com uma câmara de infravermelhos. A ideia era alertar as autoridades quando víamos alguma coisa estranha no mar. A outra equipa recebia os refugiados em terra e outros levavam as pessoas para um campo provisório, onde trocavam de roupa, davam comida e esperavam para ir de carro até aos outros campos”, explica.

A Grécia foi a última missão de Ângela, pelo menos até agora. Depois dessa experiência, a setubalense recebeu uma proposta para trabalhar na área social, numa instituição da cidade, onde exerceu o cargo de técnica de atividades culturais. Em setembro de 2020, em plena pandemia, começou a pintar mais, no entanto, como morava numa casa alugada não se sentia à vontade para pintar grandes telas.  

Em dezembro, esse problema ficou resolvido, já que o marido lhe ofereceu um estúdio em Setúbal com uma vista incrível sobre a frente ribeirinha. “Foi uma surpresa enorme, não estava nada à espera. Claro que acabei por me despedir do meu trabalho, em dezembro do ano passado e dedicar-me totalmente à pintura”, conta.

A coleção Imaginarium nasceu em março e, até agora, conta com 14 quadros. Segundo Ângela, a sua arte está enquadrada no expressionismo abstrato, uma vez que apesar de ter muitas influências abstratas, é sempre possível encontrar formas e desenhos.

Além de a maioria das telas ser de grandes dimensões, outro pormenor importante é que as cores das pinturas são todas criadas por Ângela, através da mistura dos tons. É um processo demorado mas que garante a originalidade das obras.

Em agosto deste ano, a artista comprou uma casa no bairro Salgado e foi lá que montou um novo estúdio, nas traseiras do apartamento. Alguns quadros da coleção Imaginarium já foram vendidos.

Neste momento, Ângela já está a começar a segunda série da coleção Imaginarium, que será uma versão desconstruída. A setubalense revelou à NiS que, em abril de 2022, pretende organizar a sua primeira exposição. Por enquanto, pode ver as obras de Ângela na sua conta de Instagram (Ângela AMP) e também no site da artista.

A seguir carregue na galeria para conhecer melhor as obras de Ângela Miranda Penedo.

 

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