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A artista setubalense que vai levar um “hino à mulher” ao Festival da Canção

Através do projeto a solo batizado d'A Cantadeira, Joana Negrão vai apresentar "Responso à Mulher" ao vivo já em março.
Foto: Rita Carmo.

Joana Negrão não sabe dizer ao certo como surgiu a paixão pela música. “Foi muito natural”, confessa. A artista setubalense sempre se interessou pela tradição e pelo passado. Quando completou 18 anos, deixou a cidade natal para estudar História e Arqueologia. Depois, chegou uma altura em que teve de escolher entre os dois — e não restaram dúvidas.

Apesar de ter optado pela música, a formação em História e Arqueologia continuou a fazer sentido no meio da arte. “Sempre tive uma paixão enorme pelo passado”, sublinha a artista de 41 anos à NiS. “Estas duas áreas sempre me fascinaram muito. Na música, acabo por recuar até ao passado, buscar as canções antigas para me inspirar e para fazer pontes com o presente.”

Depois de integrar várias bandas, incluindo a Dazkarieh, onde esteve de 2006 e 2014, e a Seiva, que ainda hoje é ativa, decidiu lançar-se a solo para descobrir que tipo de artista era. Foi assim que em 2020, nasceu A Cantadeira, o projeto que vai levar ao Festival da Canção deste ano.

“Senti que devia fazer algo a solo, porque me ia dar artisticamente uma liberdade maior para poder criar aquilo que queria”, explica. “A ideia d’A Cantadeira era um bocadinho ir à procura de mim própria. Que artista é que eu era fora das bandas, fora do trabalho com as outras pessoas? O que é que eu queria dizer ao mundo?”.

Quando recebeu o convite para participar no concurso em representação de Portugal, tinha acabado de lançar o seu álbum, “Tecelã” e teve de pensar num novo tema para apresentar no Festival. Foi assim que nasceu o “Responso à Mulher”, descrito por Negrão como um “hino às mulheres e uma oração sobre a força feminina, a resiliência, sobre curarmos os nossos próprios traumas com esta magia ancestral que as mulheres antes de nós nos deixaram.” A Cantadeira vai apresentá-lo no Festival da Canção na segunda semifinal, que terá lugar a 1 de março, um sábado. 

Leia a entrevista completa da New in Setúbal com Joana Negrão (A Cantadeira) abaixo.

Como é que surgiu o interesse pela música? Tem algum artista na família?
Havia pessoas da família que cantavam, mas sempre de uma forma muito informal e amadora. E a música sempre foi uma coisa muito natural para mim. Eu cantava sozinha no quarto, gravava cá as minhas cassetes, ouvia música, tocava. Foi sempre algo de que gostei muito, mas não sei explicar muito bem de onde é que veio. Foi muito natural.

Onde é que costuma procurar inspiração? 
Na vida do dia a dia, acho que o artista precisa de viver a vida para se inspirar, para fazer arte. É um bocadinho assim comigo, eu faço música e escrevo com base nas coisas que me acontecem. E inspiro-me bastante, para além disso, na experiência das outras pessoas que vieram antes de mim. É por isso que tenho uma paixão enorme pelas tradições e pelas canções que se fizeram antes de eu nascer. E vou à procura delas nas aldeias. E é isso que me inspira muito. 

Além da música, Joana formou-se em História e Arqueologia. Como é que surgiu o interesse por essa área?
Eu tirei uma licenciatura em Arqueologia e sempre tive uma paixão enorme pelo passado. Fui produzindo música e estudando história ao mesmo tempo. Porém, chegou uma altura em que tive de optar por uma das duas. Escolhi o caminho da música, mas o passado, a história e a arqueologia, continuaram a exercer um enorme fascínio sobre mim. Na música, vou ao passado, procuro as canções antigas para me inspirar e para fazer pontes com o presente.

Joana saiu de Setúbal aos 18 anos para estudar e, mais tarde, regressou. O que é que mais gosta no concelho?

A minha relação com Setúbal é de uma pessoa que nasceu cá e que viveu cá toda a sua infância. Portanto, regressar sempre esteve nos meus planos. Quando nós temos uma ligação tão emocional com um sítio, quando ele faz parte da nossa infância, da nossa vida até aos 18 anos, que é uma altura em que acontecem coisas muito intensas, é uma relação muito difícil de explicar. Não sei dizer o que é que eu gosto mais. Mas é visceral, esta relação com a minha cidade, com o sítio onde eu nasci, com as memórias que tenho em cada rua que percorro, cada vez que passo pela serra e tudo isso me inspira. Voltar para viver na minha cidade era algo que queria muito, ou seja, saí porque era importante para mim também viver e experienciar outras coisas, mas regressar sempre esteve no meu horizonte.

Antes de se lançar a solo, esteve em dois grupos: o Dazkarieh, em que foi compositora, vocalista e instrumentista e, mais tarde, no Seiva. Como é que depois surgiu esse projeto a solo enquanto artista, que é A Cantadeira?
Comecei a trabalhar com bandas desde muito cedo e, depois, de uma forma mais profissional, já fui ligada à música de raiz, ao folk, à música tradicional e passei por algumas bandas, como a Dazkarieh, onde estive ainda há bastantes anos, entre 2006 e 2014. Entretanto, tenho os Seiva, que ainda estão no ativo, sempre ligados à música tradicional e nesta opção de fazer as pontes com o passado. E agora, A Cantadeira surgiu em 2020 e era uma ideia que eu tinha de fazer a solo, porque me ia dar artisticamente uma liberdade maior para poder criar aquilo que eu queria. E pronto, a ideia d’A Cantadeira era um bocadinho ir à procura de mim própria. Que artista é que eu era fora das bandas, fora do trabalho com as outras pessoas? O que é que eu queria dizer ao mundo? 

E como é que tem sido essa descoberta?
Tem sido muito intensa desde que comecei a fazer as canções até ao lançamento do disco. Isso é uma parte da experiência. Depois, a experiência ao vivo, onde eu estou mesmo sozinha a gravar loops, a cantar e tocar os instrumentos, que é também muito intensa e que me tem dado uma sensação de grande realização, de perceber que consegui fazer aquilo sozinha, que eram dúvidas que eu tinha. E afinal, elas dissipam-se de cada vez que eu acabo um concerto. Eu olho para mim e digo, “Ok, consegui e isto faz sentido.” 

Que tipos de artistas e géneros musicais gosta mais de ouvir?
Eu
oiço um bocadinho de tudo e, para mim, a música tem várias funções, conforme o que preciso no momento. Se tiver que escrever, oiço música erudita, gosto de ouvir música antiga, de áreas barrocas e de rock. Mas na verdade, a música que me inspira mesmo é o folk, a música de tradição renovada de outros países. Por exemplo, há uma banda que se chama San Salvador, que também usa percussões e vozes para criar música, que também faz estas pontes com o passado. Há uma banda sueca-finlandesa, que são os Hedningarna, que também são uma grande inspiração para mim, desde que comecei a fazer este género. Portanto, todas as bandas que conheço, um bocadinho por toda a Europa, fazem um trabalho semelhante àquilo que sempre quis fazer com a nossa música tradicional. São as coisas que mais me inspiram e me tocam, que eu continuo a ouvir passados muitos anos. 

Como é que se sentiu quando recebeu a notícia de que iria participar no Festival da Canção? 
Recebi com muita surpresa, não estava à espera, porque eu já estou há muitos anos a fazer música e nunca esperei que chegasse um convite destes para entrar num concurso que chega a um grande público, que é mainstream, onde a música que faço não entra propriamente e não é muito a música que mais ouvimos nas rádios. Portanto, foi uma surpresa enorme, não esperava. Mas claro, foi uma alegria muito grande também.

Como é que tem sido lidar com os nervos na preparação da segunda semifinal, que acontece a 1 de março?
Estou super tranquila, acho que os nervos só me acontecem quando estou a cinco minutos de entrar no palco. Em qualquer concerto, acontece isso. Estou super tranquila e ali nos últimos dez minutos, quando vou entrar, é que me dá mesmo um nervo grande. Portanto, até agora tenho estado tranquila, estou a preparar tudo com muita calma e alegria e acho que só me vai dar mesmo um nervo quando estiver lá e cair a ficha que aquilo vai mesmo acontecer. 

Como é que nasceu o tema que irá interpretar, o “Responso à Mulher”?
O tema surgiu na altura em que recebi o convite. Tinha lançado o disco “Tecelã” em maio e recebi o convite em julho. Portanto, estava ainda naquela fase de andar a fazer concertos ao vivo, a apresentar o disco e na aventura, não estava numa fase de composição. Quando faço música, descarrego-a toda e meto-a num disco, depois lanço-o e preciso de viver aquilo que eu fiz, nos concertos ao vivo. Portanto, naquela altura realmente não tinha nada em gaveta, como se costuma dizer. Depois do convite, fechei-me mesmo em casa para criar uma canção e procurei dentro de mim uma que eu soubesse que podia levar ao Festival da Canção, aquilo que me representa, que são as gaitas, as percussões tradicionais e, essencialmente, o tema da mulher. Foquei-me muito nessas vertentes e pensei, ‘Okay, quero levar uma canção que me defina e que, quando os espectadores me virem no palco do Festival da Canção percebam quem é aquela pessoa, quem é A Cantadeira e o que é que ela traz”. Então, fiz uma canção que, na verdade, é como se fosse uma de apresentação do meu disco.

Como é que o descreveria para quem ainda não o ouviu?
É um hino às mulheres, é uma oração sobre a força feminina, a resiliência, sobre curarmos os nossos próprios traumas com esta magia ancestral que as mulheres antes de nós nos deixaram e que estão na nossa memória coletiva. 

Em relação às outras canções portuguesas em competição, tem alguma que seja a sua favorita? 
Gosto muito das canções a concurso. Acho que o Festival da Canção se tornou muito eclético, uma espécie de mostra do que são os artistas do nosso País e eu acho que isso é super importante e não só. Posso começar já pela música do Luca Argel, a “Quem Foi?”, que é maravilhosa. É muito bonita e traz um tema super importante, que se relaciona com o facto de nós empatizarmos mais com quem vem de fora, com quem nos serve e que nós, às vezes, não vemos as suas caras. Estou muito apaixonada por este tema e acho que ele é um artista incrível. Gosto muito também da canção da Diana Vilarinho, também escrita com a Joana Alegre, a “Cotovia.”

Por fim, que planos é que tem para 2025?
Agora, os meus planos passam por preparar uma atuação bonita no Festival da Canção, tocar ao vivo e fazer concertos, que é isso que me alimenta.

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