Há duas equipas em grande plano em “Príncipio, Meio e Fim”, o programa da SIC idealizado por Bruno Nogueira. A primeira são os quatro guionistas, que durante duas horas escrevem um guião para a segunda, os atores. Mas quem liga as pontas e faz com que tudo possa acontecer é uma equipa que está atrás das câmaras — embora neste formato também apareça à frente de vez em quando.
Duas das figuras principais na engrenagem de “Princípio, Meio e Fim” são a realizadora Cristiana Miranda e a produtora Sandra Faria, da Força de Produção. “É um bocadinho uma loucura. Estarmos a produzir um programa que não tem um guião, não fazemos a mínima ideia do que é que vai sair, das necessidades que existem… é muito complicado fazer um orçamento, por exemplo”, explica à NiT Sandra Faria, sobre o desafio que foi concretizar este formato inusitado.
“Foi preciso uma dose de coragem, loucura, confiança entre a equipa e dedicação. E isso notou-se muito. Várias das pessoas que faziam parte da equipa, e alguns dos próprios atores, disseram que nunca tinham estado num ambiente tão bom a nível de filmagens. Lembro-me do Nuno Lopes dizer isso e eu fico muito grata. Este espírito foi construído porque não havia outra maneira de fazer este trabalho”, acrescenta.
Cristiana Miranda explica que esse ambiente sempre esteve presente e foi fundamental para o resultado final. “Quando fizemos o visionamento e mostrámos os episódios aos atores, parecíamos todos anormais. Nós rimo-nos muito mais juntos, porque estamos a rir da situação, do coletivo, da experiência, de tudo. E a energia que se criou ali é palpável. Sente-se isso, há muita genuidade no prazer que isto deu a toda a gente.”
Apesar de ser um “programa num dia complicado e a horas complicadas”, como descreve Sandra Faria — acrescentando ainda que muitos espectadores não veem em direto —, o entusiasmo dos fãs em torno do formato tem sido “gratificante”, com pessoas e até marcas a criar memes e a fazer comentários.
“Isto tudo que se gerou à volta do programa, e mesmo os que adoram e os que odeiam, discussões quase futebolísticas entre as partes, nunca tinha visto isso num programa de televisão. É muito gratificante as pessoas repetirem o que viram no episódio.”
Cristiana Miranda concorda e acrescenta que é um programa que pode abrir portas daqui para a frente. “Quantas vezes, enquanto realizadora, gostava de fazer, escrever, e não sinto coragem. E ao ver este tipo de exemplo digo: eh pá, isto se calhar é tão mais fácil, tão mais simples. Espero que no final haja uma contrapartida positiva de as pessoas acharem que podem ir atrás das suas ideias.”
Apesar de poder parecer uma “maluqueira”, Sandra Faria realça que em todo o processo “houve um enorme cuidado”. “Com a estética, com a fotografia, com a forma como é apresentado. Parece que aqueles quatro amigos estão ali e é o que é. Não é. O Bruno é das pessoas mais perfecionistas, rigorosas, muito dedicado e não quero dizer a palavra picuinhas… mas é no bom sentido. Ele preocupa-se muito com o detalhe. Desde os equipamentos às equipas, à estética, às opções, tudo o que possam imaginar foi muito bem pensado e trabalhado com esse rigor.”
Antes da estreia do quinto e penúltimo episódio, a NiT entrevistou Sandra Faria e Cristiana Miranda para desvendarmos alguns dos segredos e curiosidades por trás de “Princípio, Meio e Fim”.
“Princípio, Meio e Fim” foi a terceira ideia de Bruno Nogueira para a SIC
“Há um dado importante que poucas pessoas sabem: esta não foi a primeira ideia”, revela Sandra Faria. “Andámos meses a conversar. Quando o Bruno falou comigo pela primeira vez, era uma ideia completamente diferente, que não vou revelar qual é, porque esperamos vir a fazê-la no futuro. Mas devido à Covid-19 — na altura de setembro ou outubro — não deu para concretizar. Depois mudámos para outra ideia diferente. Portanto, esta é a terceira. E o esboço em si depois também foi sofrendo alterações.”
Recorde-se de que o anúncio da contratação de Bruno Nogueira por parte da SIC aconteceu a 10 de julho do ano passado.
Os guionistas fizeram ensaios antes das gravações
Tal como Bruno Nogueira já tinha contado em entrevista à NiT, os guionistas fizeram ensaios para testar o formato antes de começarem as gravações. “Os guiões são totalmente originais e espontâneos, mas eles queriam ensaiar entre eles a dinâmica, se era possível executar naquele tempo, e acho que foi muito giro”, diz Cristiana Miranda.
“E desde o início, quando eu e a Sandra íamos aos ensaios, que adorávamos a dinâmica dos quatro juntos. Da escrita e da parte criativa de colaboração. Nem eles próprios tinham noção do quão agradável é tu presenciares isso como espectador. E acho que foi um processo que só mesmo na edição é que o próprio Bruno se apercebeu de que realmente é uma parte tão interessante e válida do programa.”
Sandra Faria acrescenta e reforça: “Estes ensaios não foram para ensaiar nada do que está ali, foi para ensaiar a dinâmica. E também há outra questão: o Bruno, o Filipe Melo e o Nuno Markl já trabalharam em conjunto noutros projetos, mas o Salvador nunca tinha trabalhado com eles. Então também era um bocadinho para criar este espírito de cumplicidade e de equipa”.
A realizadora e produtora não podiam mesmo ouvir o processo criativo
No primeiro episódio, acompanhamos Cristiana Miranda e Sandra Faria enquanto elas são recebidas no estúdio pelos quatro guionistas e ouvem pela primeira vez o texto. O processo foi sempre o mesmo: as duas só assistiram ao processo criativo na fase da edição.
“A Cristiana estava com uns fones, ela via o que se estava a passar porque estava a realizar, mas não ouvia. E eu estava fechada numa sala sem saber de nada durante aquelas duas horas”, explica Sandra Faria. “E no final de cada guião íamos sempre falar com eles, como deu para ver no primeiro programa e vai dar para ver daqui para a frente, onde eles nos explicavam pela primeira vez o guião. E nós às vezes púnhamos as mãos à cabeça. Este último episódio é um bom exemplo, porque de repente havia um exterior e uma praia, e nós não tínhamos orçamento para isso. Teve que acontecer assim [risos], tivemos que encontrar essa solução. Porque nós à partida tínhamos um orçamento para fazer um programa mas não sabíamos o que era o programa, por isso isto é uma coisa um bocadinho de loucos.”
Cristiana Miranda acrescenta: “Para mim também foi super interessante porque, quando cheguei à edição, nunca tinha visto as duas horas contínuas. Então, quando vi a edição, há montes de informação nova que é super apelativa. Eu acabei por também ser uma espectadora do meu próprio programa, o que foi super válido, interessante e raro como exercício”.
As distrações no “Princípio” vieram sobretudo através do Instagram
Para muitos espectadores, uma das partes mais divertidas do programa é o momento em que a produção introduz no estúdio — durante o “Príncipio” — diversas distrações, seja João Manzarra a passear com um burro, seja um homem nu a pintar uma mulher.
“Eu adoro, por mim punha mais, não tinha era orçamento para pôr mais [risos]”, diz Sandra Faria, a grande responsável por engendrar as distrações. “Eu queria estar sempre em distrações e vêm aí algumas muito boas. Infelizmente, quando a distração entrava, eu estava fechada e não via. Mas iam-me reportando. A Cristiana ainda tinha a sorte de ver. Mas foi muito divertido e vêm aí algumas muito engraçadas.”
Muitos dos intervenientes que participam enquanto “distrações” chegaram através do Instagram de Bruno Nogueira. “Eu pedi ao Bruno para pôr no Instagram dele um pedido de figuração para entrarem no programa. E arrependi-me logo passados 15 minutos. Porque nos primeiros 10 minutos o meu email… eu tinha recebido 600. Ele depois retirou aquilo passado duas horas, mas eu só nesse dia recebi dois mil e tal emails. E posso dizer que os vi todos.”
Sandra Faria diz ainda: “o halterofilista que aparece foi campeão nacional, o casal de ioga do primeiro episódio tem uma escola de ioga em Cascais, são pessoas que quiseram entrar na brincadeira. O golfista é o famoso Nuno Rafael do Deixem o Pimba em Paz. Tivemos pessoas também daqui da Força de Produção a fazer figuração, como o João, que fez de cão do Albano”.
O “senhor a comer sapateira” não gosta nada de sapateira
Um dos principais momentos de distração neste programa foi, como concordam Sandra Faria e Cristiana Miranda, o do “senhor a comer sapateira”. Foi uma das tais pessoas que se juntaram via Instagram.
“Ele trabalha num laboratório, é analista, e a Cristiana até o pôs a entrar outra vez com uma meia na cabeça, algo que não estava previsto. E atenção: ele odeia sapateira. Ele depois disse-nos que não gostava de marisco. E acho que a performance dele foi incrível, porque ele comia as cascas… nós achávamos que ele podia ficar engasgado e morrer ali. Ele gritava, foi extraordinário.”
Vai haver uma participação que promete
“Vem aí uma pessoa que até aparece agora numa campanha de publicidade. Eu ontem ia morrendo por causa daquelas publicidades que aparecem quando te ligas à Internet… é surreal, vai ser assim… Vão ser momentos engraçados e também temos uns momentos fofinhos”, antecipa Sandra Faria.
O episódio mais difícil de produzir foi o primeiro — aquele do portal
Sandra Faria não tem dúvidas: para si, o episódio mais desafiante de produzir foi o primeiro a ser transmitido, o do portal.
“Nós não tínhamos mesmo hipótese nenhuma de fazer exteriores. Sempre foi pensado que era um jantar numa casa e que tudo se passava ali. E quando, de repente, ao final das duas horas de guião, começam a falar da floresta e de portais e que saem pessoas dos portais… E cordas a puxar e não sei quê… Isto não dá… E de repente até pareço ali a má da fita a dizer ‘não dá, não dá’, porque não dava mesmo, sabia que era impossível. E não foi impossível, fez-se. Neste do ‘Alto Mar’ eu estava muito preocupada com a água. Porque o que vocês veem não é o que estava ali, eram garrafões de cinco litros a serem atirados. E eles de vez em quando inventavam coisas, mas nós não podíamos dar cabo da casa [risos].”
O episódio mais difícil de realizar foi o quinto — aquele que estreia este domingo
Na sua posição, Cristiana Miranda acredita que o quinto episódio — o próximo — foi o mais difícil de gravar devido ao cansaço da equipa.
“Porque nós estávamos muito cansados, foi muito intenso. E assim que cheguei ao set, senti que a equipa estava muito cansada e em baixo, e então foi assim um esforço fenomenal naquele dia para toda a gente. Senti que estávamos todos assim um bocadinho com um ritmo… Estava super preocupada que isto passasse na edição, mas felizmente não o sinto de todo. Porque o último episódio era o último, havia uma euforia muito grande, mas o quinto foi remar contra a maré. Marca-me mais esse episódio por ter sido desafiante psicologicamente para toda a gente. Mas estás a trabalhar com pessoas muito boas e em frente da câmara não se nota nada disso.”
Os episódios não foram transmitidos pela ordem em que foram gravados
“O portal não foi o primeiro episódio a ser gravado, mas quisemos começar por ele exatamente para definir o tom do programa, que é um tom do absurdo”, conta Sandra Faria. “Eu lembro-me de ver alguns comentários do público sobre o terceiro episódio, o do estafeta, a dizer que não era muito comédia. Foi o primeiro a ser gravado e é um bocadinho um thriller. Porque na cabeça do Filipe Melo e do Markl eles também têm muito este género, esta linguagem de terror. E ninguém nunca disse que era um programa só de humor. Aliás, é completamente indefinido o género do programa. Nem é ficção nem documentário nem reality. É tudo, é um formato novo completamente original que nunca foi feito.”
A casa onde tudo se passa fica em Colares, Sintra
Se já se questionou onde fica a casa de Paulo, a resposta é esta: Colares, Sintra. “É uma daquelas casas que são alugadas para filmagens e para publicidade. No ‘Alto Mar’, eles disseram-me que a praia era ali perto e que podíamos ir para lá, mas não é assim. É preciso licenças, orçamentos, equipas, uma série de condições de produção diferentes daquelas que temos dentro de casa. Portanto, não foi mesmo possível e depois fizemos aquela imagem da praia.”
O último episódio vai ser a “insanidade total”
Obviamente, Cristiana Miranda e Sandra Faria não podem revelar detalhes sobre os dois últimos episódios, mas antecipam que vão ser bastante “fora”. “Eles às vezes vão um bocadinho mais para fora de pé, e acho que daqui para a frente, depois do ‘Alto Mar’, estamos sempre fora de pé. Daqui para a frente vale tudo”, diz Cristiana Miranda.
“Eu gosto muito destes três últimos, do ‘Alto Mar’ e dos dois próximos, sendo que o último é a insanidade total, total, total. É o mais fora de todos. É mesmo para fechar em grande [risos]. Mas não podemos revelar mais para não estragar a surpresa”, acrescenta Sandra Faria.
Leia também a entrevista da NiT com Jessica Athayde a propósito deste programa.