Foi aos 16 anos que Hélio Gaspar, agora com 45, provou leitão pela primeira vez. Não se recorda se gostou, o que já é sinal de que, nessa altura, não teve uma experiência memorável. Lembra-se, no entanto, de que foi na Mealhada, por volta de 1998, que começou a comer “leitão em condições” e percebeu que era “um prato espetacular”. Viu potencial e decidiu trazer o conceito para a região de Setúbal. A ideia teve tanta adesão, que deu origem a um império de sucesso com mais de 20 anos.
O Bacorinho nasceu em 2003, mas só esta segunda-feira, 6 de janeiro, é que abriu, na cidade, o primeiro restaurante com o verdadeiro sabor dos leitões à Bairrada. O que pouca gente sabe é que a história começou muito antes disso. O pai de Hélio morreu quando este ainda tinha dez anos. Era suinicultor e tinha uma quinta no Poceirão, além de um negócio em Setúbal, a Lusocarnes.
Com 18 anos, a mãe de Hélio pediu-lhe que abandonasse a escola para ajudá-la a gerir os projetos, embora já desse algum apoio nos tempos livres. “Ela estava, digamos, em apuros. Conseguimos pagar esses desafios com a propriedade que vendi, herança do meu pai, mas continuava a ser difícil. Até porque o negociante que tínhamos nessa altura era muito incerto e a verdade é que precisávamos do dinheiro”, confessa Hélio à NiS.
O grande foco era, então, a venda de leitões vivos. “Sabia que tinha de fazer qualquer coisa. Houve uma semana em que vendemos 50 leitões para Negrais, e outros 50 para a Bairrada. Percebi que era uma oportunidade de ganhar dinheiro. Tínhamos 250 porcas e uma produção de 180 leitões por semana. Começaram a chegar cada vez mais encomendas e, então, iniciámos a comercialização de venda e compra”, acrescenta.
Assim, as idas à Mealhada tornaram-se frequentes e o objetivo do empresário surgiu como a chave para o que viria a ser um sucesso: trazer o verdadeiro sabor do leitão à Bairrada para Setúbal. Em 2003, decidiu criar O Bacorinho, especializado na entrega do produto por toda a região. A legião de clientes — que se tornaram frequentes — cresceram e, em 2008, comprou o forno para começar a ser a própria empresa a confecionar o leitão em forno a lenha.
Nem sempre foi fácil e o caminho teve muitos obstáculos que tiveram de ser contornados. “Tudo foi construído com muito empenho e resiliência. Cheguei a dormir nas carrinhas à espera que o fornecedor pagasse porque tinha pedido o combustível fiado para a viagem. Existiram fases difíceis, mas valorizo muito o trabalho e a dedicação que ganhámos e tivemos de ter ao longo dos anos. Foi com o nosso próprio suor que chegámos aqui hoje”, confessa, reforçando que o “produto de qualidade” sempre foi outro dos pontos fulcrais para vencer no mercado.
“70 por cento da arte do leitão tem a ver com a matéria-prima. Não é só sobre o momento da assadura. Uma boa matéria-prima exige gordura quanto baste, um porco pernilongo, para ter mais costela, sem uma perna ou mão muito alta. Assim, podemos degustar melhor a pele, que fica bem temperada, e o prato fica mais saboroso”, adiciona, ressalvando, pela mestria que alcançou, que a escolha sempre foi “rigorosa”.
“Aprendi a assar leitões na Bairrada, nos anos em que ia lá. O meu parceiro, Filipe, a quem vendi muito, fez-me ver como é que as coisas funcionavam. E não é preciso muita ciência, mas existe a necessária para colocar o produto a determinada temperatura, virado de costas e de barriga num certo tempo”, realça Hélio. Os anos de negócio têm sido, por isso, “muito bons, “com uma “progressão interessante”.
“Tínhamos uma previsão de construção do restaurante noutro local, que adquiri em 2014. Entretanto, em 2016, surgiu a oportunidade de ficar com a cadeia do Frango Vaidoso. Assim, peguei nesse negócio para criar uma sinergia, com espaços de venda com mais oferta, para mais pessoas. E suspendemos o plano do restaurante”, diz, enquanto revela que tem outro projeto para começar.
“Há a Setcom, uma antiga fábrica da Nokia, que está obsoleta, na Quinta do Anjo, quando vamos a Lagoinha, em Palmela. Adquirimos esse espaço em março de 2020. Suspendemos o projeto por causa da Covid-19, mas queremos fazer naquele sítio a fábrica [que se mantém no mesmo local de sempre, na Estrada das Mulatas] e restaurante. Tudo ali. Para isso, tinha de perceber de perto onde me estava a meter. Quero ver o que as pessoas gostam no ambiente de restaurante”, confessa.
E acrescenta: “Este restaurante d’O Bacorinho é uma rampa de lançamento para algo maior. E queremos ainda alavancar a marca para outras regiões. Comecei por Setúbal porque sou daqui e a marca também. Acho que os empresários têm um forte impacto na comunidade. Só com espírito de empreendedorismo, que acrescente valor, é que conseguimos fazer coisas e ter resultados diferentes. Queria ter algo diferenciador”.
Assim, aposta numa “boa experiência do cliente”, com “serviços e produtos de qualidade” e, assim, permitir existir uma onda de “disrupção”. É mesmo isso que vai encontrar n’O Bacorinho, onde a grande estrela é o leitão.
A experiência da New in Setúbal
Elegância, sofisticação e um ambiente acolhedor. São as três palavras que descrevem o novo spot especialista em leitão à Bairrada de Setúbal. A equipa da NiS foi convidada a conhecer o espaço e ficou deliciada logo à entrada. O restaurante, que fica no antigo espaço d’O Mineiro, nas Manteigadas, está decorado com elementos que se complementam na perfeição, cores sóbrias, mas contrastantes e equilibradas: um bilhete postal que ganha, à partida, vários pontos. As obras decorativas foram efetuadas pela empresa 71 Arquitectos.
O Bacorinho, com 76 lugares sentados e 303 metros quadrados, tem uma ementa “reduzida”, o que não é, de todo, um aspeto negativo. Além de ajudar os indecisos, faz com que os chefs e toda a equipa se foquem na entrega de produtos frescos e de qualidade: o que se comprovou. E o leitão não está só no prato. Há outras novidades que vão conquistar a barriga dos clientes.
Primeiro que tudo, vieram para a mesa a manteiga (2€) e os croquetes de leitão (1,20€). Se estávamos à espera de dedicar a estrela principal só a um prato, ficámos com a tarefa dificultada nas entradas. Tudo caseiro e no ponto, desde o pão quente, à manteiga cremosa, foi dos melhores petiscos que já provámos. Com uma introdução que deixa a fasquia elevada, seguiram-se os pratos principais: leitão (25€), presa de porco preto (18€), lombo de bacalhau (25€) e, claro, o franguinho vaidoso (19,50€). Para acompanhamento, comemos batatas às rodelas (3€) e salada mista (3€).
Deixamos o desafio: se já provou leitão, e não gostou, este é o espaço que, provavelmente, o vai fazer mudar de ideias. Desde a carne, à pele estaladiça, não podemos deixar também de destacar o sabor inigualável do molho, que fez toda a diferença. Além disso, as doses são generosamente servidas, com rodelas de laranja, para equilibrar a gordura e a acidez do prato — que vai devorar.
O segundo protagonista da ementa foi o bacalhau. Desfazia-se (num bom sentido) a cada garfada. Com uma crosta crocante, estava no ponto certo, assim como as batatas. Outra das hipóteses a repetir, sem dúvida. As presas de porco preto também ficaram suculentas e muito tenras, assim como o esparregado nitidamente caseiro e delicioso servido para acompanhar.
O frango, embora não seja novidade para nenhum setubalense — e, atenção, que não é exatamente o mesmo que é vendido no Frango Vaidoso —, não desiludiu. Para beber, foi servido um espumante Ermelinda de Freitas, sugestão de Carlos, o gerente, e que não podia ter sido uma escolha mais acertada. Provámos ainda um rosé, com sabor cítrico, que também contrabalançou os vários sabores.
Deixamos uma menção honrosa para a mousse de chocolate absolutamente divinal (4,50€). A receita tem de ser guardada a sete chaves porque foi das melhores que já comemos (e das mais bem servidas): do sabor à consistência. De destacar que, no espaço, e durante o momento de toda a refeição, ouvimos música ambiente portuguesa, que vai ao encontro do conceito gastronómico do espaço — até os cabides têm o símbolo do leitão. Embora não seja obrigatório, é importante fazer reserva, caso queira experimentar o leitão.
Destacamos ainda a simpatia de Hélio. Falámos com o proprietário e é notável a humildade, a dedicação e a paixão pela conquista de anos. Os “parabéns” pela abertura surgiram a cada cumprimento, de quem saía de sorriso na cara. Amigos, ou não, uma coisa é certa: o rapaz que seguiu as pisadas do pai, e pernoitava nas carrinhas, conseguiu construir uma empresa de sucesso em Setúbal.
Carregue na galeria para conhecer o espaço e alguns dos pratos d’O Bacorinho.